<p>Se as pernas de Laurinda Nascimento funcionassem tão bem quanto o seu raciocínio, ninguém a apanhava em casa. Mas, aos 86 anos, com uma mesa cheia de medicamentos e duas canadianas, a viúva só uma vez por ano é que abandona o apartamento onde vive há cerca de três décadas, no bairro da Ponte de Anta, em Espinho: no Natal, quando o vai passar com o filho. </p>
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Sem outra companhia, além das visitas diárias das voluntárias que prestam cuidados a vários idosos do bairro, a sua única distracção acaba por ser a televisão. E é por isso que, quando há cerca de três anos a antena se avariou, deixando de captar o sinal da SIC e da TVI, Laurinda Nascimento sentiu como se, de repente, tivesse cortado relações com grandes amigos como a Fátima Lopes e o Manuel Luís Goucha.
"Os outros canais só dão política e futebol e de política estou eu farta. O que eu gostava era de voltar a ouvir a Fátima", lamenta.
O caso repete-se em dezenas de casas do bairro da Ponte de Anta servido pela mesma antena. E, apesar de uma segunda antena (neste caso parabólica) funcionar, os muitos idosos do bairro pouco ou nada se interessam por canais estrangeiros. Querem ver e ouvir falar em português.
Quando a antena deixou de funcionar como deve ser, choveram reclamações no agora denominado Instituto de Habitação e Reabilitação Urbana (IHRU), isto porque antes cada morador tinha a sua própria antena nos telhados, mas tal acabou por ser proibido.
"Quem tem possibilidades pôs a televisão por cabo, mas a maioria destes idosos não tem posses para isso", explicou, ao JN, Dorinda Ribeiro, uma das voluntárias que prestam apoio no bairro.
"Fizemos um abaixo-assinado com mais de 200 assinaturas, enviamo-lo ao IHRU e nem assim", contou Arminda Sá, outra moradora afectada pela avaria. "Há algum tempo acabaram por me dizer para arranjarmos um electricista", continuou.
Durante cerca de 15 dias, um electricista, António Aluai, procurou descobrir o problema, encontrou-o e apresentou ao IHRU um orçamento.
"Depois de um primeiro contacto em que me disseram que não tinha ordem para fazer coisa nenhuma, acabaram por me telefonar e dizer que afinal podia fazer o serviço, mas que tinha de levar uma declaração das Finanças e da Segurança Social a provar como não devia nada e o registo criminal. Como tenho muito trabalho e eles não deram data para isso, demorei algum tempo e quando lá fui acabaram por dizer que já não podia ficar com o serviço e que outro o iria fazer", contou ao JN o electricista.
"Mas passa-se o tempo e continua tudo na mesma", criticou outra moradora e voluntária, Mercedes Pereira.
Contactada pelo JN, fonte do IHRU garantiu, no entanto, que ainda esta semana ou na próxima o assunto ficará resolvido. Quanto à demora, a mesma fonte explicou que só recentemente foi dada a autorização.