Carolina Vilano, de 37 anos, lança um alerta: "não conto anedotas". E desata a rir. E a gargalha ecoa em cada rosto das 12 reclusas que participam nas sessões do Programa de Relaxamento e Estabilização Emocional da ala feminina do Estabelecimento Prisional de Santa Cruz do Bispo, em Matosinhos.
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Terapeuta do riso e mentora do projeto "Rir Agora", desde 2016, Carolina conduz mensalmente uma hora dedicada ao ioga do riso. "Vamos rir sem motivo", avisa. Os risos tímidos manifestam-se. As reclusas estão tensas. Umas bem arranjadas com a maquilhagem no ponto e salto alto no pé. Outras calçaram as sapatilhas. Todas aguardam o desconhecido. Os grupos vão mudando nas sessões, mas quem quiser pode repetir.
A sessão começa com música e dança para fomentar o "à vontade". Os corpos espalham-se pelo pavilhão desportivo do Estabelecimento Prisional (EP), relaxam e afastam a vergonha. De repente, parece que aquele espaço não é uma prisão. Talvez por isso, Maria do Carmo, 32 anos, trancada há um ano e um mês, usufrui da sessão do ioga do riso com a imaginação: "Estava a pensar nos meus filhos, que estava a brincar com eles. Estava numa praia... Imaginei que estava lá fora, que brincava com eles". Os filhos são três, de 12, 10 e cinco anos. Os mais velhos estão institucionalizados, a "pequenita" está com a mãe na creche do EP. Confirma que não se "ria tanto como hoje". Entrou em Santa Cruz do Bispo a 15 de janeiro de 2018 atraiçoada pelo tráfico de droga. "Nunca estive presa, isto é o inferno".
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Sessão inspiradora
Maria Gonçalves, de 56 anos, tem uma voz carregada de Porto. Cumpre pena desde agosto e tem julgamento marcado para este mês. "É fácil rir aqui dentro? Não, não", responde perentória. O rosto cerra-se como se a pergunta não fizesse sentido. Está rígida, alheada da conversa. "Pode haver momentos em que uma pessoa se ri. Passam filmes na cela e nós damos umas belas gargalhadas, mas há muita falsidade aqui dentro", diz, abrindo a guarda.
Maria conta que foi "tramada" pelo álcool que, segundo partilha, a levou a certos comportamentos que não queria: "Estou a curar-me aqui". A participação no ioga do riso é uma manobra para despistar os dias porque "é uma sessão inspiradora". "Ri-me, às vezes forçado, outras vezes a sério... Gostei imenso, gostei da equipa", diz, adiantando que gostava de repetir. Voltar dependerá da decisão do coletivo de juízes que deliberará este mês sobre o destino de Maria. "Não sei o que vai acontecer", finaliza.
Fernanda Oliveira, de 58 anos, vive há quatro anos no EP de Santa Cruz do Bispo. Tem, pelo menos, mais oito anos pela frente na cela. As duas condicionais que pediu foram negadas. Diz-se uma mulher diferente daquela que entrou na cadeia. Ficou mais fria. "Não rio com ninguém, não me abro com ninguém a não ser com o meu marido porque não confio em ninguém", confessa ao JN. "É raro sorrir ou rir". E hoje? "Isto (a sessão) faz-nos sentir um bocado mais leves", dá o braço a torcer, para dizer logo seguir que ali, no EP, "deitam mais a baixo do que ajudam a levantar".
Carolina Vilano vê as reclusas a transformarem-se: "No início estão muito constrangidas, como estão na vida, mas vão evoluindo, umas perante as outras. Acabam por rir, sorrir, relaxar e por não pensar em nada... Acima de tudo, começam a perceber o que têm de bom, porque esqueceram ou porque nunca se aperceberam que têm muito de bom". A terapeuta faz crer que rir é mesmo o melhor remédio.