Três crianças conseguiram chegar a Portugal com um Salvo-Conduto. A filha, de 14 anos, ia ser vendida para casar.
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"Muito contente, muito contente", é desta forma que Nadege Ilick, de 26 anos, natural dos Camarões, descreve o que sentiu quando, após cinco anos, voltou a encontrar os filhos. A mãe de Brenda, de 14 anos, de Beryl e Jhoae, ambos de 11, fugiu da cidade, em 2016, onde vivia para não voltar a ser vendida para casar. Deixou os filhos com os avós e partiu para a Argélia e para a Líbia onde conseguiu lugar num barco para Itália. Desde que chegou a Braga, em setembro de 2019, ao abrigo da Plataforma de Apoio aos Refugiados (PAR), foi acolhida pelo Colégio Luso-Internacional de Braga (CLIB). Nadege só pedia ajuda para trazer os filhos. "O único desejo dela era ver os filhos e conseguir ter as crianças a viver com ela", disse ao JN Helena Pina Vaz, diretora do CLIB e responsável pelo acompanhamento da família da refugiada.
Apoio de várias frentes
Depois de a mãe obter proteção internacional, as atenções focaram-se em conseguir que as crianças viajassem para Portugal. Apenas com a certidão de nascimento, sem passaporte e em plena pandemia, Helena Pina Vaz não desistiu da promessa que fez em nome da Plataforma de Apoio aos Refugiados e enviou um relato escrito do caso a várias entidades.
Luís Barros, embaixador de Portugal na Nigéria (que, na falta de embaixada nos Camarões, trata de assuntos relacionados com aquele país) leu o documento e prometeu ajudar. Também a administração da Mota-Engil (que tem obras nos Camarões) garantiu o auxílio no terreno e a Turkish Airlines foi a última a juntar-se ao grupo que tinha por missão juntar os filhos com a mãe.
Viagem foi uma odisseia
O embaixador Luís Barros emitiu três Salvo-Condutos que permitiram às crianças viajar sem passaporte. Depois de várias tentativas de embarque que passaram pelo não reconhecimento do documento de transporte, pela alegada falta de vacinas e pela avaria de um avião, os irmãos conseguiram lugar num voo com destino a Istambul. Antes de encontrar a mãe, passaram dois dias no aeroporto da Turquia até conseguir embarcar para Lisboa.
Esta sexta-feira, ao meio-dia, o grito que se ouviu no aeroporto de Lisboa, foi a forma encontrada por Nadege para respirar de alívio antes de abraçar os filhos. "Um dos nossos objetivos é o de juntar as famílias e permitir que, apesar de todo o sofrimento que passaram, as pessoas voltem a ser felizes", afirmou Helena Pina Vaz.
Em Braga, para além da mãe e dos três filhos recém-chegados, vivem também Franck Tchoncko, um homem também natural dos Camarões e refugiado, que Nadege conheceu na Argélia e de quem tem um filho (Franck, de 2 anos) que nasceu quando a mãe estava detida numa prisão da Líbia. "São os meus bebés. Estamos todos felizes", disse a jovem mãe que, nos Camarões, foi vendida para casar quando tinha apenas 12 anos. A urgência em trazer os filhos também é justificada pela certeza de que Brenda, de 14 anos, seria vendida, em breve, pelo mesmo motivo. "Não pode ser, é uma menina", disse a mãe num portugueses falado pausadamente.
"É a nona família que acolhemos. Neste momento, seis das famílias estão ainda connosco", finalizou Helena Pina Vaz, esclarecendo que o trabalho do CLIB passa por acompanhar todo o processo de integração das famílias até que se encontrem estabilizadas no país de acolhimento.