Centro de apoio a refugiados dá nova esperança a quem se vê obrigado a fugir para salvar a vida e busca um futuro que lhe é negado. As histórias de quem procura recomeçar.
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São 10.30 horas de uma quarta-feira qualquer e mais de uma dezena de refugiados sentam-se à volta de uma mesa retangular e ouvem atentamente a professora Rosário falar sobre meios de transporte. Decorre uma aula de Língua Portuguesa e a trabalhar com desenhos de autocarros e barcos estão pessoas que pediram asilo a Portugal e agora devotam a sua vida no centro da organização não governamental JRS (Serviço Jesuíta de Apoio aos Refugiados), em Vila Nova de Gaia.
Vêm do Tajiquistão, do Senegal, de Marrocos, da Colômbia, do Bangladesh. Têm entre os 20 e os 65 anos. Vivem um novo capítulo das suas vidas. Para trás ficaram as pegadas de uma vida devastada, de fuga, de medo, encarando o futuro com a certeza de uma mochila e a metafísica da esperança. Homens e mulheres em busca de um futuro que lhes é negado nos países de origem.
Salma
“As saudades que sinto da família é o que mais dói”
Salma, nome árabe e improvisado para esta reportagem, para proteger quem já sofreu mazelas suficientes da vida, não participa na aula. Refugia-se no quarto. Salma tem 35 anos, nasceu na Tunísia e está há sete meses neste centro de apoio a refugiados. Porém, a história de Salma é mais do que esta frase. Tem 3637 quilómetros. Muitos a pé. E começou com um casamento fracassado, seguido de maus tratos, na Macedónia. Parca em palavras e socorrida pela tradução da amiga marroquina Rania, de arábe para inglês, entendemos a tristeza que lhe esfrega o rosto em jeito de lágrimas.
“Deixei a Tunísia e fui viver para a Macedónia”, começa por contar vagamente ao JN, com um olhar muito envergonhado, colocado fora da janela como que a ver o passado. “Casei com um homem que não era da minha religião”, o gatilho perfeito para dar cabo da harmonia da família de origem. O que seria para Salma um conto de fadas – casar porque estava “apaixonada” – acabou por se firmar como um filme de terror. O casamento não deu certo, a rotina na Macedónia foi um “pesadelo”.
“Fugi da Macedónia e vim para Portugal”. No centro, Salma aprende português e sente-se “segura e em casa”. “Rezo e medito no meu quarto, vou à loja social, quando preciso de alguma coisa e faço muitas atividades”, descreve o seu dia a dia, até conseguir um documento que lhe dê acesso ao sonho de “viver em paz, encontrar um trabalho, casar e ter um filho”. Salma apoia-se nas mãos como uma forma de reter as lágrimas quando fala da família. Do que mais sente falta na Tunísia? “As saudades que sinto da família é o que mais dói”, finaliza.
Sho
“Na minha aldeia, muita gente foi morta”
Vamos chamar Sho ao tajique que está há meia dúzia de meses no centro de apoio a refugiados. É alto, simpático e cordial. Carrega 62 anos de vida.
Quando se apresenta, sorri às perguntas, mas logo o semblante se põe sério quando recorda o regime político da sua terra natal: “No meu país, o poder está nas mãos de uma família, é um regime autoritário e tirano”. “A minha situação tornou-se crítica”, refere o professor universitário de Filosofia e História, que se servia das aulas para dar voz à democracia perante centenas de alunos. O regime político do Tajiquistão não apreciou esta ousadia. “Na minha aldeia, no fim de 2022, muita gente foi morta, pessoas inocentes, assassinadas pelo Governo, postas na prisão, muitos advogados, jornalistas, representantes da sociedade civil”, relata.
Os serviços secretos de um país vizinho alertaram Sho, que estaria a ser vigiado e que estaria numa “wanted list” do Tajiquistão e deram-lhe três opções: “Ou trabalharia para eles, ou lhes daria dinheiro ou enviavam-me de volta ao meu país” (na altura, Sho estava a dar aulas fora do país, não revelamos onde por questões de segurança). Porém, Sho fintou as ameaças e aproveitou uma conferência internacional num outro país, onde era orador convidado, e fugiu. “Foi uma longa viagem”. De avião, Sho seguiu pela Geórgia, depois Polónia e só parou em Portugal.
A mulher e os dois filhos, de 30 e 31 anos, ficaram nas suas vidas no Tadjiquistão. À distância, a família é um fator de inquietação permanente. Volta e meia, “eles e o meu irmão são chamados à polícia do regime para serem questionados sobre o meu paradeiro. Nunca foram violentos com eles, mas é uma preocupação constante”.
Para já, Sho aprende português, aguarda o veredito do Regulamento de Dublin e trabalha num estudo sobre a fenomenologia da política. “Com o processo aberto contra mim pela ditadura do meu país é impossível regressar no imediato. Estou descrito como terrorista, separatista”, conclui.
Rania
“Todos nós procuramos algo melhor”