Manuel Morais, ícone da música popular, cantou por todo o Mundo, sempre com o Porto no coração. Na véspera de cantar com Amália Rodrigues, não pregou olho a noite toda.
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O sonho comandou a vida de Manuel Morais. Nasceu no Porto há 88 anos e cresceu a ouvir histórias sobre a carreira artística do avô paterno, o maestro Sousa Morais, que faleceu antes do seu nascimento. Descobriu, em tenra idade, que também pertencia aos palcos. A peça "Valentes e medrosos", no Patronato da Vitória, lançou-o no mundo do espetáculo e a partir daí nunca mais parou, transformando-se num verdadeiro ícone da música popular.
Fez centenas de concertos, dentro e fora de Portugal, teatro infantil e de revista. Agora, sete décadas volvidas, o "Rei da Alegria", conhecido por temas como "O Senhor de Matosinhos" e "Porto velhinho", deixa os palcos. Ficam as memórias, dezenas de álbuns editados e a certeza de que, se pudesse voltar atrás no tempo, voltaria a fazer tudo igual.
"Os meus fãs são a minha segunda família. Nos meses de agosto praticamente não me deitava porque tinha espetáculos quase todos os dias. A minha mulher, Rosa Antónia Morais, era a minha admiradora número um", contou ao JN o artista, lembrando os tempos de infância, em que recortava dos jornais e das revistas as fotografias dos grandes nomes da música e, cuidadosamente, as colava num papel. Era uma espécie de álbum que, recentemente, se converteu num livro mandado editar pela irmã.
Aos seis anos, Manuel Morais não imaginava que iria cruzar-se com alguns desses artistas. Foi o caso de Amália Rodrigues. "Criámos uma amizade. Ela tinha sentido de humor", recordou, admitindo que, na véspera de conhecer a fadista, não conseguiu pregar olho durante a noite. O encontro deu-se no Coliseu do Porto. "Não dormi só de saber que ia cantar com ela. Foi de uma simpatia fantástica. Tenho para aí dez autógrafos dela", recordou com um sorriso.
Bom humor e energia
Aos 88 anos, Manuel Morais conserva o bom humor e a energia. Aliás, foi graças a essas características que herdou a alcunha de "Rei da Alegria". Até porque nos seus espetáculos, além das cantigas, não faltavam anedotas e desgarrada.
A casa do artista é um santuário de memórias. Pelos armários e paredes acumulam-se fotografias, condecorações, mensagens e homenagens recebidas ao longo dos 70 anos de carreira.
Uma das relíquias é o recorte de uma notícia sobre "A Voz dos Ridículos", programa de rádio no qual cantava êxitos cujas letras tinham sido convertidas em críticas à sociedade. Outra é a sua biografia. A obra, "Manuel Morais, no palco da alegria", eterniza o percurso, as viagens, as cantigas e os amigos de um dos cantores mais antigos do Porto. "O lançamento do livro foi um dia feliz. Tinha mais de 300 pessoas à espera por um autógrafo", confessou.
Agora, sobram as saudades do público e de viajar. Cantou por todo o Mundo, mas sempre com a cidade do Porto, que o viu nascer, no coração. É onde vive e continua a receber o carinho dos fãs que o reconhecem na rua.
O encontro com Salazar
Manuel Morais também foi livreiro durante meio século, tendo começado na Livraria Simões Lopes, no Porto, e privou com António de Oliveira Salazar. A primeira vez foi na Feira do Livro de Lisboa. "O meu patrão mandou-me oferecer-lhe "Os Lusíadas". Ele disse-me para agradecer, mas não aceitou. Disse que estávamos ali para vender e não para dar", revelou Manuel Morais, relatando ainda um conselho que Salazar lhe deu: "Tinha um sinal no nariz e Salazar disse-me para o retirar porque mais tarde podia trazer problemas [de saúde]. E eu tirei-o", recordou.