Foi com comoção, mas alegria no coração, que o escritor José Rentes de Carvalho recebeu esta sexta-feira a homenagem da Câmara de Mogadouro, que perpetuou a sua memória através da inauguração de uma escultura em sua honra e a imposição do seu nome no centro cultural local.
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“É um dia especial na medida em que eu estou quase no cemitério”, admitiu o escritor, de 94 anos, com origens na aldeia de Estevais, em Mogadouro, sublinhando que se trata de “um gesto simpático e generoso”. O escritor afirmou que “é um dia único, até, porque não há um antes e não haverá um depois”, ressalvando que “é muito difícil ser o próprio a dizer o que merece”.
O presidente da câmara, António Pimentel, explicou que se trata da “homenagem devida e em vida” e que estava em falta a terra dos pais fazer-lha. “Era a hora. Até porque as pessoas devem ser homenageadas em vida e aproveitamos que ele estava cá no concelho. Queremos perpetuar o seu nome”, referiu o autarca, realçando que Rentes de Carvalho “é um homem do mundo”.
A escultura da autoria de Hélder Teixeira, que o retrata ao lado de uma pilha dos livros da sua autoria, "está muito bem”, comentou Rentes de Carvalho que, apesar da idade, continua ativo e cheio de energia. “Eu escrevo todos os dias. Nunca paro de escrever”, referiu, mas não quis revelar se está a preparar um novo livro. “Nunca penso nisso. Vou escrevendo, porque não tenho muita pressa. Sou transmontano. É uma questão de inspiração. Os livros saem quando querem. Não preparo nada”, revelou.
Rentes de Carvalho vive há vários anos nos Países Baixos e tinha o hábito de várias vezes por ano fazer a viagem para Mogadouro de carro, percorrendo milhares de quilómetros. “A última vez que vim [a conduzir] foi no ano passado. Já fiz 62 idas e voltas. Já fiz meio milhão de quilómetros”, contou.
Apesar de as viagens tão distantes não serem fáceis, “escrever um livro é muito mais difícil”, explicou o escritor.
José Rentes de Carvalho viveu em vários países, como o Brasil e os Países Baixos, mantendo ao longo da sua vida uma estreita colaboração com jornais como a Folha de S. Paulo e o Expresso.
“Foi sempre uma pessoa atenta à realidade dos portugueses. Todos os seus livros e preocupações, no fundo, são sobre a sua maldição que é Portugal”, referiu o escritor Francisco José Viegas, que o considera “uma das figuras mais importantes da literatura da língua portuguesa no século XX”.
José Viegas destacou a escrita “inovadora” de Rentes de Carvalho, “na maneira de fixar as personagens e de se relacionar com Portugal”.
Mais conhecido nos Países Baixos do que em Portugal, o escritor mogadourense só a partir de 2010 começou a ser mais notado no seu país natal. “Começou a ser mais divulgado há 10 ou 12 anos, o que é uma pena porque é uma das grandes figuras, como ensaísta e memorialista, mas sobretudo como romancista. Estava fora do circuito literário tradicional e vivia noutro país, noutra cultura, e Portugal nunca o reconheceu de facto. A nossa cultura ergue muitas barreiras aos que lhe são estranhos. Neste caso cometeu várias injustiças, a principal foi não ter reconhecido o papel do Rentes de Carvalho”, concluiu Francisco José Viega.