Câmara de Matosinhos preparou programa de celebração que se prolonga até ao final do ano. Comerciantes mantêm espaço vivo com a ajuda de clientes habituais mas também de turistas.
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Assistiram na primeira fila à inauguração do Mercado de Matosinhos e são quem, 70 anos depois, mantém o espaço vivo. "Enquanto a saúde o permitir", é por lá que vão ficar. Atrás das bancas está a prova viva da resistência à mudança dos tempos. Recusam-se a aceitar o eventual fim dos mercados tradicionais e, à medida que alimentam as relações com os seus mais fiéis clientes, há quem tire cursos de inglês para atrair os turistas.
Naquele edifício, Monumento de Interesse Público há dez anos, decorre até dezembro um vasto programa de celebração dos seus 70 anos de história. A iniciativa municipal inclui "showcookings", passatempos e exposições, num "mercado onde cabe toda a gente", descreve a Câmara.
peixaria
"Sempre lindo, limpo, esmerado"
Numa caixinha de plástico está já meio quilo de sardinhas amanhadas. Enquanto arranja mais seis fanecas para entregar a Conceição Mesquita, que não tarda a aparecer para levantar a encomenda, Maria Dinis faz contas ao tempo que trabalha atrás daquela banca. "Já cá estou há 42 anos. Tenho 72", diz, de sobrancelhas levantadas, numa expressão de admiração perante a passagem do tempo.
Ao lado está uma amiga de longa data. É Paula Alves, de 59 anos. "Estou de passagem. Era do Bom Sucesso [no Porto]", esclarece Paula, enquanto limpa lulas para uma outra cliente. "Está a aprender", explica Maria. "Eu é que já estou cheia. Levanto-me às quatro da manhã para comprar o peixe e estou cansada", justifica. Paula responde: "Depois vai para casa e tem saudades". Maria ri. Encolhe os ombros. Confirma que é verdade.
"Faltava aqui uma fábrica de gelo para manter o peixe fresco. O estacionamento é uma loucura. Há quem saia do carro e tenha logo uma multa", aponta. Admite, no entanto, que "o mercado está sempre lindo, limpo, esmerado". "A gente vem aqui a uma segunda-feira [dia de folga] e parece que está a entrar no NorteShopping. Tudo mesmo maravilhoso. Há esses contras", confessa Maria.
Ao fundo, avista Conceição: "São as fanequinhas, as sardinhas e mais nada, pois não, meu amor?". "Mais nada", responde a cliente, de 73 anos, que faz compras no mercado pelo menos três vezes por mês. Na mão tem já um saco de caldeirada, que comprou mais à frente. As sardinhas e as fanecas custaram 6,40 euros.
animais vivos
"Não há nada como isto"
No topo das escadas, Madalena derrete-se com os coelhos de Ana Maria. "É uma coisa que já não se vê, não é?", pergunta retoricamente a comerciante, orgulhosa, enquanto a menina de quatro anos estende os troços das couves aos animais. Cada coelho custa dez euros. "São para comer, mas às vezes levam para estimação", admite. Ao lado da jaula dos coelhos estão galos, galinhas e ovos. "Dois euros a dúzia", publicita Ana Maria.
O mercado também já foi a casa da avó de Madalena, sua homónima e prima de Ana Maria, que acompanha a neta. "Apanhei covid, os meus filhos não queriam isto e acabou", contou a matosinhense, de 69 anos. "Mas não há nada como isto. Isto é que é o comércio tradicional", considera Ana Maria, de 59 anos.
"Estou aqui desde os 15. A minha mãe queria que eu estudasse, mas eu não quis. O movimento aqui tem diminuído muito. Os ordenados são pequeninos em relação ao custo de vida. Mesmo turistas há poucos, e vão comer aos restaurantes", conta. Por isso, refere, "vende-se às pessoas do antigamente, que as jovens não vêm cá". A avó Madalena pega no saco com os ovos. "Chau. Até amanhã".
frutas e legumes
"O negócio tem altos e baixos"
Pega num cacho de bananas da banca de Rosa Ramos, pesa-as e paga à colega. Aproxima-se a hora de almoço e Maria da Conceição já deu por encerrado o seu canto do talho. "Estou cá há 61 anos e tenho 75. Já faço parte da mobília da casa", considera. Se perguntamos se o mercado está melhor, diz que "vai estando", mas pede para "não comparar o que era antes e como está agora". Rosa regressa.
"A vida é diferente. Nada é melhor. O negócio tem altos e baixos", diz Rosa, de 60 anos, salientando que "há sempre pessoas que querem ir ao mercado". Aliás, desde os seus 24 anos que é assim.
"Tinha trabalhado numa papelaria. Quando fechou, a minha sogra, que vendia aqui galinhas, avisou-me que uma banca ia ficar vazia. Era raro na altura", confessa. Pensar nessa possibilidade levou-a a torcer o nariz. "Depois vim e gostei", admite. Até já um curso de inglês tirou.
Rostos dos mercados
Numa exposição patente até 27 de dezembro, são homenageados 95 rostos dos mercados de Matosinhos. Também estão retratados comerciantes do Mercado de Angeiras. As ilustrações, de Tierri Luís, são acompanhadas por textos de Adélia Carvalho.
Restauração
No Mercado de Matosinhos há 11 restaurantes. A Taberna Lusitana, explica a Câmara de Matosinhos, foi um dos primeiros restaurantes a instalar-se no mercado, com a novidade de, no horário de almoço, permitir que os clientes escolham o peixe diretamente das bancas.