Em Ovar os agricultores ribeirinhos estão desesperados. A ria de Aveiro inundou os campos e destruiu mais de 300 hectares de milho destinado à alimentação animal. Reclamam ajuda das entidades competentes.
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O cenário é desolador. Campos com centenas de hectares de milho completamente destruído, numa terra que se tornou estéril e secou até à seiva os extensos milheirais, fonte de alimento para os animais e ganha-pão para mais de duas centenas e meia de agricultores e suas famílias dos lugares da Marinha e da Ribeira, na freguesia de Ovar.
A "desgraça" e o "desespero", como lhe chamam alguns dos agricultores, chegaram de forma subtil, há cerca de duas semanas, quando uma cheia na ria de Aveiro inundou os campos ribeirinhos de água salgada, destruíndo as plantações de milho, principal base de alimentação dos efectivos pecuários (maioritariamente gado bovino) que constituem a actividade principal e fonte de trabalho da população local.
Os relatos de quem ficou sem a fonte de alimento dos animais sucedem-se em catadupa, em rostos perturbados. Os queixumes são convergentes. "Perdi cerca de dois mil quilos de milho" afirma António Ernesto. Este agricultor e criador de gado mostra-se "desanimado" com a cheia. As águas percorrerem cerca de 500 metros e destruíram por completo o milho.
"Fiquei sem alimentação para os animais e vou ter que recorrer a ração que custa cerca de 15 euros o saco. Muito mais caro do que alimentar os animais com o milho", afirma António Ernesto, lembrando que, na cheia, "a água atingiu pelo menos meio metro de altura na zona dos terrenos". "Nunca vi uma cheia como a última", disse.
Os agricultores garantem que o sal que se entranhou nas terras levará, no mínimo, dois anos a ficar inerte. Ou seja, ao prejuízo imediato provocado no milho junta-se o facto de as terras não terem condições para receberem qualquer tipo de plantação nos próximos anos.
Prejuízos que levaram os agricultores a denunciarem a situação numa conferência de Imprensa realizada, na manhã de ontem. "O maior problema é a falta de intervenção na ria" acusa o porta-voz do movimento de agricultores, Joaquim Lopes. "A ria está transformada num completo pantanal e a água invade os campos" explica, exigindo a intervenção das diferentes autoridades.
Entre as exigências apresentadas, os contestatários reclamam uma "intervenção rápida" e apontam algumas soluções possíveis como o desassoreamento da ria ou a construção de diques.
Um manifesto dando conta do sucedido foi já assinado por duas centenas de agricultores e enviado, na passada semana, ao Ministério da Agricultura, Câmara e Junta de Ovar. A Câmara acabaria por responder no momento em que decorria a conferência de Imprensa, informando que recebe a comissão na tarde da próxima segunda-feira.
Presidente do porto de Aveiro nega responsabilidades
"Não foi efectuada qualquer intervenção no Porto de Aveiro que possa ter influência nos problemas de cheias na ria" afirmou, ontem, ao JN, o presidente do Conselho de Administração do porto de Aveiro, José Luís Cacho. Respondendo a algumas dúvidas levantadas pelos agricultores, o responsável lembra que as obras previstas estão agendadas apenas para Setembro e que não irão influenciar as correntes da ria.
José Luís Cacho recorda, no entanto, que a solução do problema poderia passar pela conclusão do Projecto Baixo Vouga, iniciado na década de 80 e que contou com um investimento de milhares de euros, mas que nunca mais foi concluído. Apenas uma parte da obra foi efectuada, mas ficaram por fazer mais diques e comportas que iriam evitar que a água salgada entrasse nos canais da ria, tornando toda a zona do Baixo Vouga mais rentável do ponto de vista agrícola. José Luís Cacho considera, ainda, que o desassoreamento da ria pode agravar ainda mais o problema das cheias e contaminação dos solos pela água salgada.