Cianobactérias e plantas invasoras, que chegam de Espanha, põem fauna em perigo. Ambientalistas preocupados com caudal. BE quer explicações do ministro. <br/>
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Quem vier de Mação pode atravessar o Tejo quase a pé, devido ao fraco caudal que se acentua há meses. Agora, para além de correr como um ribeiro, o rio mostra-se, no concelho ao lado, na barragem de Fratel, Vila Velha de Ródão, com a cor verde devido a algas tóxicas (cianobactérias) e plantas invasoras que vêm de Espanha, concretamente da albufeira de Cedillo e da barragem de Alcântara. O risco é que a contaminação se estenda e ponha em causa a fauna.
O movimento proTejo denunciou que, já no passado dia 14, a Agência Portuguesa do Ambiente tinha identificado as algas em Fratel, avisando para contaminação maior. Na semana passada, o grupo parlamentar do BE questionou o ministro do Ambiente e da Ação Climática sobre se o Governo vai aplicar ações concretas ao seu congénere espanhol para impedir que a má gestão dos caudais do rio Tejo e o excesso de nutrientes na água possam continuar a provocar "blooms" de cianobactérias no Tejo e afluentes.
Esta situação, diz o Bloco, contraria os princípios da Lei da Água e constitui incumprimento de normas nela vertidas, defendendo que deve ficar garantido um regime de caudais ecológicos pelas barragens espanholas, que assegurem as necessidades ambientais e a boa qualidade da água do Tejo e seus afluentes em Portugal.
Fraco como há muito não se via
Há muitos anos que não se via um caudal tão fraco, desde Mação até Vila Franca de Xira, onde a água doce se mistura com a do mar. A situação não é inédita, diz quem por estes dias tem olhado para o rio. Arlindo Marques, um guarda prisional nascido em Ortiga, naquele concelho, tem sido um defensor do rio que vê correr, desde menino. Chamam-lhe o "guardião do Tejo" por não se calar com denúncias . "Se pusessem uma câmara web na zona de Mação ou de Abrantes a transmitir imagens para o Cais das Colunas, as pessoas ficavam impressionadas como o Tejo é bem diferente do que se vê na zona de Lisboa", acrescenta.
O maior rio da Península Ibérica está moribundo para desespero dos pescadores profissionais, dos agricultores com sistemas de rega parados ou dos amantes da Natureza. O proTejo anuncia a apresentação, em novembro, de uma queixa à Comissão Europeia contra Portugal e Espanha por "má gestão" da água da bacia do Tejo.
O presidente do movimento, Paulo Constantino, frisa que o rio está "refém" dos interesses económicos das hidroelétricas. Ao contrário do que o ministro do Ambiente, Matos Fernandes, garantiu há dois anos (não respondeu, até agora, a perguntas do JN sobre o assunto) não foi revista a "Convenção de Albufeira com o processo de transição para o regime de caudais ecológicos".
Na prática, o problema está na inobservância deste acordo ibérico com 23 anos quanto aos caudais ecológicos regulares no Tejo, contínuos e instantâneos, medidos em metros cúbicos por segundo e respeitando a sazonalidade das estações do ano. O proTejo afiança que o problema "não está na falta de água mas na má gestão" e desfaz o mito que "os espanhóis não enviam água porque precisam dela".
Posição da autarquias
A Câmara de Abrantes tem vindo a pedir atenção para o Tejo. O autarca do concelho, Manuel Jorge Valamatos, está contra a proposta de construção de um túnel para devolver água ao Tejo, entre a barragem de Cabril, no Zêzere, e Belver, no Alentejo, tal como defende o ministro do Ambiente. "Não parece que seja uma solução viável e até responsável", tendo apontado a "outras situações" que é preciso olhar, "nomeadamente a questão de obrigar estas entidades gestoras da atividade hídrica a responder a caudais ecológicos de forma competente e responsável". A posição é seguida pelas autarquias de Vila Nova da Barquinha e de Vila Velha de Ródão, preocupadas com a perda de identidade das zonas ribeirinhas.
Convenção
O que diz
A Convenção de Albufeira, assinada em 1998 por Portugal e Espanha, dita regras (estipuladas pela Diretiva-Quadro da Água) para a proteção e o desenvolvimento sustentável das águas e regiões fronteiriças do Tejo Internacional.
Interesses
Dizem os ambientalistas que a barragem de Cedillo é gerida pela hidroelétrica Iberdrola, que controla a água libertada para Portugal para reforçar a produção de energia. O vazamento da barragem de Cedillo, em 2019, levou ao esvaziamento do Tejo e afluentes, com os causais a atingirem valores mínimos históricos.
Perfil
O homem que zela pelo rio desde menino
Coloca quase diariamente fotos e vídeos do Tejo no Facebook, onde soma quase 30 mil seguidores, e no YouTube com quase tantos espectadores. "Sou um amigo do ambiente. Denuncio quem polui o Tejo e não só...", assim se descreve Arlindo Consolado Marques, o guarda prisional que ficou conhecido por tornar público, há três anos, os peixes mortos pela elevada poluição neste rio. Apontou o dedo a empresas e filmou casos de esgotos para o Tejo. O olhar atento, crítico e altruísta de Arlindo, 56 anos , já lhe valeu casos em tribunal, foi vítima de tentativa de homicídio e viu o carro destruído, alegadamente a mando de um dos empresários apontados. O Tejo foi o berço de Arlindo Marques. Foi ali que brincou, aprendeu a pescar, fez amigos. Mais tarde, na altura de arranjar casa própria, escolheu uma das que têm melhor vista para o rio.