Risco de erosão e recuperar a floresta: o trabalho não vai terminar depois do fogo apagar na Madeira
As críticas sobre o combate ao fogo que deflagra há mais de uma semana na ilha da Madeira continuam a subir de tom e não são feitas só pela Oposição. Dois especialistas afirmam ao JN ser necessário pensar no pós-incêndio: como recuperar a vegetação e antever possíveis risco de erosão e aluviamento.
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A "chuva prevista para domingo" em alguns concelhos, afirma o biólogo Miguel Sequeira, poderá mais tarde ou mais cedo ajudar a apagar o fogo que deflagra há mais de uma semana na ilha da Madeira. Além disso, os aviões Canadair pedidos por Portugal à União Europeia, através do Mecanismo da Proteção Civil, vão ter uma "grande capacidade para derramar água" nas áreas ainda em chamas, diz Paulo Pimenta de Castro, presidente da Iris - Associação Nacional do Ambiente.
Se a urgência das próximas horas é apagar o fogo, não menos importante será o que vai acontecer a seguir. Os dois especialistas ouvidos pelo JN defendem, que logo após o incêndio, as autoridades da região devem começar a preparar um plano para reduzir o risco de erosões e os consequentes aluviamentos. "Estamos a falar de declives muito acentuados e já tivemos a má experiência de cheias na Madeira", aponta Paulo Pimenta de Castro.
A forte precipitação na madrugada de 20 de fevereiro de 2010 provocou várias derrocadas na ilha da Madeira e levou à morte de 47 pessoas e provocou centenas de feridos e de desalojados. Foi considerada uma das piores catástrofes na região autónoma.
"O risco de haver incidentes, nomeadamente no Funchal e noutras localidades na zona litoral, passa a ser extremamente elevado", continua o responsável da Associação Nacional do Ambiente, que defende a constituição de uma comissão independente para avaliar a ocorrência e o combate ao fogo na Madeira, semelhante à que foi constituída após os fogos de Pedrógão Grande em junho de 2017.
"É preciso avaliar se, no momento em que se deu conta da ocorrência, houve ou não um ataque musculado. Sabemos pelos incêndios de 2010, 2016 e 2018 na Madeira, que não havendo um ataque musculado numa fase inicial, ao fim de dois ou três dias, o incêndio entra naquelas ravinas, começa a subir e a capacidade de combate torna-se muito menor", explica ao JN.
Quem pegou fogo, tem de ser processado
O mesmo entendimento tem Miguel Sequeira, que esteve à frente do Instituto de Florestas e Conservação da Natureza da Madeira durante cerca de um ano. "A Madeira, quando arde, o risco de aluvião é multiplicado por mil. É um problema de Proteção Civil, mais do que um incêndio", alerta. O também professor da Universidade da Madeira é mais duro nas palavras e pede mesmo a demissão dos responsáveis da Proteção Civil na região. "Os responsáveis têm mesmo que se demitir e as pessoas que pegaram fogo têm mesmo de ser processadas criminalmente. Isto não pode acontecer", afirma.
A Polícia Judiciária está a investigar "desde o início" a origem do incêndio, que deflagrou nas serras da Ribeira Brava a 14 de agosto e alastrou para outros concelhos. O presidente do Governo Regional da Madeira, Miguel Albuquerque, disse tratar-se de fogo posto, tal como o presidente da câmara de Ribeira Brava. No entanto, o autarca referiu que houve um foco inicial de incêndio provocado acidentalmente pelo lançamento de um foguete.
A destruição de vegetação na ilha da Madeira está também a preocupar os especialistas. Além da floresta laurissilva da Madeira, considerada Património Mundial Natural da UNESCO (Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura), Miguel Sequeira refere que há outras áreas protegidas que também terão sido destruídas. "É preciso ter algum rigor e não introduzir árvores onde elas têm alguma possibilidade de regeneração natural", aponta.
Garantir alimento aos animais
O professor da Universidade da Madeira revela que um dos principais problemas será a "competição" entre as plantas nativas e as exóticas. "As plantas exóticas são pirófilas, ou seja, vão reagir muito bem ao fogo. (...) O que significa que vão potenciar possíveis incêndios que possam ocorrer no futuro", esclarece ao JN. Tudo será pior, segundo Miguel Sequeira, caso se introduza gado nas áreas afetadas, uma vez que os animais preferem comer as plantas nativas. Desta forma, a proporção de vegetação exótica no território insular será maior.
Paulo Pimenta de Castro conclui que será necessário garantir alimento às espécies de animais endémicas da Madeira, como aves e mamíferos. "Nomeadamente, através da pulverização com sementes, que mesmo que não vinguem [na terra], acabam por servir de alimento", afirma.
Desde 14 de agosto, dia em que deflagrou o fogo na Madeira, mais de 4930 hectares terão ardido no arquipélago, segundo dados do Sistema Europeu de Informação sobre Incêndios Florestais. Até ao momento, não há registo de habitações ou infraestruturas essenciais destruídas.

