Câmara do Porto transferiu perto de um milhão de euros para a Igreja nos últimos quatro anos. Permuta de casas da diocese com empresa abriu guerra.
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Nos últimos quatro anos, a Câmara do Porto subsidiou a Igreja com quase um milhão de euros, um apoio que o presidente da autarquia, Rui Moreira, aconselha o bispo, Manuel Linda, a tentar encontrar junto de entidades privadas, com quem "prefere fazer negócio", já que optou por transacionar mais de uma dezena de habitações com uma empresa sem consultar o Município ou conceder-lhe o direito de preferência.
A afirmação é feita no final da carta que o autarca independente remeteu, no final de abril, ao núncio apostólico em Portugal, o arcebispo Ivo Scapolo. Na missiva, à qual o JN teve acesso, Rui Moreira escreve que, "na base do princípio de igualdade e especificidade que o senhor bispo invoca, encontrará doravante esses apoios nas entidades privadas com quem, pelos vistos, prefere fazer negócio".
Nem mais um tostão
O autarca, que atingiu o limite de mandatos, já havia garantido, na semana passada, que não voltará a aprovar mais apoios para a Igreja, designadamente à Obra Diocesana, que a Câmara subsidia, por se ter sentido "insultado" pelo bispo na sequência da resposta que Manuel Linda deu ao ser questionado, por carta, sobre a permuta de 15 casas do bairro das Eirinhas, no Bonfim, que a diocese fez no início deste ano com a sociedade José Salgado & Mário Moreira, Lda., uma empresa de construção sediada na Póvoa de Varzim, em troca de um apartamento T0 avaliado em 230 mil euros.
A guerra entre a autarquia e o bispo foi declarada na reunião pública do executivo do passado dia 23, em que Rui Moreira anunciou que, até terminar o mandato, "não haverá nenhuma deliberação que vote favoravelmente no sentido de contribuir com qualquer tostão que seja para a Igreja Católica". Neste ano, a Câmara já transferiu perto de 70 mil euros para a Obra Diocesana, que ainda vai receber mais 166 mil euros, como revelou a autarquia ao JN.
Relação complexa
No dia da reunião de Câmara, Moreira adiantou ainda que reportaria a situação ao núncio apostólico, e na carta, datada de 29 de abril, volta a recordar que "a cidade e a Diocese do Porto sempre tiveram uma relação complexa" e que "nem sempre terá havido uma relação harmoniosa entre os poderes eclesiásticos e os poderes políticos".
Rui Moreira assume, no entanto, ter mantido "uma relação de grande cumplicidade e partilha, quer com D. Manuel Clemente, quer com D. António Francisco [bispos anteriores]", procurando "seguir o mesmo caminho com D. Manuel Linda". Recorda, por isso, ter evitado "uma rutura" institucional "quando a Obra Diocesana, uma instituição que a Câmara apoia financeiramente e reside em equipamentos da autarquia, decidiu alterar as suas respostas sem sequer notificar" o Município.
Questionada, a diocese não comenta.
Diferendo
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Apoios para obras
Em 2024, a Obra Diocesana obteve um apoio de cerca de 234 mil euros, dos quais perto de 34 mil foram para apoiar a continuidade do ATL no Lagarteiro e 200 mil para obras de reparação e requalificação dos edifícios que são pertença do município do Porto.
Cedência de imóveis
A Câmara Municipal do Porto cede, a título gratuito, o gozo ou fruição de imóveis à Obra Diocesana em várias freguesias, de que são exemplo três em Aldoar, oito em Campanhã, dois na Foz, quatro em Lordelo do Ouro e outros quatro em Paranhos.