Rui Moreira termina mandatos com "sensação do dever cumprido" e críticas ao centralismo do Estado
Esta quarta-feira, na Casa do Roseiral, na "última cerimónia" em que participou "na qualidade de presidente da Câmara do Porto", Rui Moreira disse que completa três mandatos com a "sensação do dever cumprido" e deixou críticas ao centralismo. "Portugal continua a ser um dos países mais centralizados da OCDE", afirmou.
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Rui Moreira, apontou, por exemplo o caso da Via de Cintura Interna (VCI), um "nó górdio que tarda em ser desatado pelo Estado". O autarca discursou na Casa do Roseiral, no Porto, na cerimónia anual da entrega das medalhas municipais. "Celebramos nesta cerimónia quem dignificou a cidade com a sua qualidade humana, dimensão intelectual, atividade cívica e competência profissional", referiu, acerca dos medalhados.
"Termino este ciclo de 12 anos de presidência do Município com a sensação de dever cumprido. É verdade que nem sempre é fácil exercer um cargo político nestes tempos de indignação e insídia.Mas, para mim, valeu a pena. Foi mais, muito mais do que uma honra. Em retrospectiva, confesso-vos que foi um enorme prazer servir o Porto", sublinhou.
"Esta cerimónia tem um significado muito especial para mim, pois é a última em que participo na qualidade de presidente da Câmara Municipal do Porto. Para trás ficam 12 anos de grandes transformações. Temos hoje uma cidade reconhecidamente mais moderna e sedutora. Uma cidade que, apesar de várias pressões, se mantém autêntica. Não perdeu a sua cultura peculiar, os seus costumes e tradições, as suas idiossincrasias, o seu bairrismo. No fundo, soube preservar a sua alma", disse.
"Mas, como sempre acontece nestes processos, a transformação urbana em curso na cidade coloca vários desafios, alguns deles bastante complexos. Refiro-me a questões infelizmente tão atuais como o acesso à habitação, a segurança pública ou a mobilidade urbana. Estas questões não dependem só dos municípios. Dependem também, e em grande medida, de decisões e investimentos do Estado central e de circunstâncias exteriores ao poder local. Ninguém conseguiu prever, em devido tempo, a crise da habitação, que é um problema comum a toda a Europa. De resto, era impossível às autarquias responderem à súbita procura de habitação por imigrantes e turistas ou travarem a financeirização dos imóveis, que fez das casas ativos de bancos e investidores", concretizou.
Estado "desinvestiu nas forças policiais"
"Em relação à segurança pública, que é uma competência do Estado, o Porto e outras cidades foram confrontadas com o desinvestimento nas forças policiais. Isto numa altura em que se verifica em Portugal um agravamento dos furtos, da violência juvenil, do tráfico e consumo de droga e dos crimes de ódio. Os desafios de segurança urbana e rodoviária que as cidades enfrentam exigem uma intervenção assertiva do Estado, cujo investimento é essencial para reforçar os meios e efetivos policiais", disse.
"Também os problemas da mobilidade não são cabalmente controlados pelos municípios. No caso do Porto, o nó górdio da VCI tarda em ser desatado pelo Estado. As obras do metro evoluem a uma velocidade exasperante e de forma caótica. A circulação na cidade está fortemente condicionada por veículos TVDE, de distribuição e de turismo. Acresce que quatro em cada cinco automóveis que circulam no Porto vêm de fora da cidade. Por conseguinte, o trânsito não pode ser solucionado intervindo apenas no nosso território", elencou.
Prosseguindo: "Serve isto para dizer que os problemas das cidades não se resolvem sem uma verdadeira descentralização administrativa do país, complementada com um reforço dos meios e competências dos municípios. O Estado português é historicamente avesso à transferência de competências, recursos e capacidades para outras sedes de poder, designadamente para as autarquias. Há uma verdadeira obsessão centralizadora em Portugal".
"Descentralização para ter municípios mais fortes"
Com as autárquicas abre-se uma nova janela de oportunidade: "Com a reforma do Estado na agenda e a proximidade de eleições autárquicas, parece-me pertinente o debate público sobre a descentralização do país. Municípios mais fortes e autónomos representam melhor as suas comunidades".
A seguir enumerou obra feita, como as intervenções no Mercado do Bolhão, Cinema Batalha, Escola Alexandre Herculano, antigo Matadouro Municipal, Biblioteca Municipal do Porto, entre outras. "Em média, o Município entrega uma casa por dia. De 2013 a 2023, foram concedidas mais de 4 mil habitações a famílias do Porto", salientou. "Construímos o Terminal Intermodal de Campanhã, a agência municipal InvestPorto acompanhou projetos de investimento de quase 2,5 mil milhões de euros e mais de 28 mil postos de trabalho", registou.
"Nem sempre acertámos nas nossas decisões. E nem tudo correu bem ou no ritmo certo nas nossas políticas e projetos, como é natural", advertiu.
"A cidade do Porto tem ainda muitos desafios pela frente. Em particular nas já referidas áreas do acesso à habitação, da segurança pública e da mobilidade urbana. Áreas que, repito, não dependem exclusivamente da intervenção municipal. Estou confiante de que os portuenses saberão escolher um projeto político que encare os desafios da cidade com políticas inovadoras, que acrescentem valor e tenham retorno económico, social e cultural", considerou.
"Quando assumi os destinos do Município do Porto, a cidade precisava de uma liderança, não só nova, mas sobretudo diferente. Havia que dar um novo ímpeto ao Porto, que se encontrava num impasse no que respeita ao seu desenvolvimento e afirmação. A minha opção por uma candidatura independente fundou-se, justamente, na ideia de abertura à cidade e de proximidade com os portuenses. Agora, o Porto precisa de uma nova liderança, e para isso os portuenses devem fazer escolhas. A cidade pode, enfim, ousar e teimar cumprir o seu destino, ou pode recuar, resmungar e conformar-se. Os portuenses irão escolher o que pretendem, mas não devem acreditar em quem promete que a cidade pode ser, simultaneamente, uma coisa e a outra", concluiu.
O historiador José Pacheco Pereira, os músicos Pedro Burmester e Sérgio Godinho e o Instituto Português de Oncologia, estiveram entre os medalhados, assim como Leonel de Castro, do "Jornal de Notícias".