Ecologia, desmaterialização e economia processual em gestão hospitalar. Exigência de modernização e simplificação ainda sem enquadramento legal.
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O arquivo clínico do S. João guardou o primeiro documento em 1944, ainda à data da comissão instaladora, 15 anos antes da inauguração do hospital. Desde 1959, registou mais dois milhões de histórias clínicas, em muitos quilómetros de folhas. Tudo desmaterializado nos últimos quatro anos, digitalizado e introduzido nos meios eletrónicos do hospital, para conter a circulação dos registos em papel e para agilizar o acesso aos processos clínicos por parte dos profissionais de saúde. Problema: em Portugal, a legislação ainda anda um bocadinho aos papéis.
Pelo Dia Internacional dos Arquivos, que se assinala hoje, o Centro Hospitalar Universitário de S. João (CHUSJ), no Porto, lança o Repositório Clínico Digital. Em nome da ecologia, da modernização e da simplificação das práticas profissionais, o projeto corta as resmas de processos acumulados ao longo de décadas e dispõe os registos clínicos digitalizados ao alcance de um clique, disponíveis 24 horas por dia e sete dias por semana.
O repositório digital resulta das sinergias criadas pelo Centro de Gestão da Informação do CHUSJ, composto por uma equipa multidisciplinar de profissionais de arquivo e de sistemas de informação. Foi desenvolvido em parceria com a Direção-Geral do Livro, dos Arquivos e das Bibliotecas (DGLAB) e também contou com a participação do Arquivo Distrital do Porto (ADP) e com o acompanhamento de profissionais clínicos do CHUSJ e do Ministério da Saúde (SGMS). Todos pela adoção das melhores práticas e garantias de autenticidade e preservação digital.
Certificação exigente
O que vai suceder aos processos em papel? Responde Maria João Campos, diretora do Centro de Gestão de Informação do S. João: "A DGLAB é quem tutela os arquivos. Em parceria, definimos os requisitos de preparação, organização e digitalização. Quanto ao destino do papel, é da responsabilidade da DGLAB, que produziu grande parte dos requisitos, alguns muitos exigentes. O nosso papel, aqui do Hospital de S. João, foi operacionalizar esses requisitos. O que antevemos é que este foi um piloto importante para se definir, a título legal, as diretivas de se poder chegar a um patamar de destruição do papel. A lei tem de acompanhar".
E não acompanha? "O país ainda não tem um enquadramento legal que permita digitalizar e destruir", atalha Fernanda Gonçalves, diretora do Serviço de Arquivo do CHUSJ.
"O único suporte alternativo que permite a destruição do papel ainda é o microfilme. É um problema que a modernização administrativa do país tem para resolver. Grande parte da Europa já resolveu este problema. Desafiamos aqui a DGLAB a construir com o S. João um exemplo de um estudo de caso na saúde que permita pensar como este assunto se resolve. No final deste projeto, o que temos, são requisitos, que, desejavelmente, se vão traduzir em orientações e hão de permitir ao país pensar no assunto", conclui Fernanda Gonçalves.
Informação valiosa para doentes e médicos
"É muito importante ter acesso imediato ao histórico de um doente através de uma plataforma eletrónica. A informatização dos processos vai permitir-nos saber as terapêuticas prévias e a evolução das manifestações clínicas ao longo dos tempos, o que é muito importante para a avaliação terapêutica dos doentes", afirma a doutora Maria Rato. Esta médica do Serviço de Reumatologia do Hospital de S. João já solicitou "processos físicos, longos, difíceis de consultar", e só aguarda oportunidade para aceder à nova plataforma. Para os profissionais de saúde do Hospital de S. João, a vantagem imediata é, sobretudo, a disponibilização dos registos clínicos digitalizados de forma integrada com o processo clínico eletrónico. "Isso permite-nos chegar à informação pretendida de forma mais rápida, o que, sem dúvida, contribuirá para melhorar a prestação de saúde aos doentes", conclui a doutora Maria Rato.
Dados
Apoios do FEDER
Iniciado em 2017 e agora concluído e instalado, o projeto do Repositório Clínico foi financiado pelo FEDER em 1,63 milhões de euros (1, 537 milhões para o CHUSJ e 92 mil para o DGLAB).
Espaços livres
Além dos méritos nas práticas clínicas, a desmaterialização do CHUSJ libertou três espaços (240 m2), agora alocados a zonas de fardamento, de vestiários e ressonância magnética.
Guerra ao papel
O foco imediato do projeto de "paper less" do CHUSJ está no serviço de pediatria, nas crianças, os próximos adultos, os primeiros livres da papelada.