Documento de 1741 resolveu fronteira entre freguesias de Estarreja num processo que se arrastava há 10 anos.
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Um documento do século XVIII, mais concretamente de 1741, decidiu os limites entre duas freguesias do concelho de Estarreja. O processo, que se arrastava há cerca de 10 anos, atribuiu a Salreu os cerca de dois quilómetros quadrados em disputa. A União de Freguesias de Canelas e Fermelã vai recorrer.
O Tribunal Administrativo e Fiscal de Aveiro (TAF) considerou que, face à inexistência de outra documentação, se mantêm válidos e em vigor ainda “à data de hoje” os limites estabelecidos no “Auto de demarcação da freguesia de São Tome de Canellas annexa a Igreja de São Miguel de Fermellam com a freguesia de São Martinho de Salreu do Concelho da villa de Bemposta”, confirmado em 1741.
Moradias e pinhal
Isto significa que, em abril passado, o tribunal decidiu que os dois quilómetros quadrados de território em disputa (os lugares de Valdujo, Enxurreira, Bandulha e Vale Grande, que ficam a sul do rio Jardim e albergam algumas moradias e área de pinhal) pertencem à freguesia de Salreu, que avançou com o processo em tribunal, em detrimento da atual União de freguesias de Canelas e Fermelã, que considerava que o limite era pelo rio e que há anos administrava a parcela.
“O documento foi a forma legal de definir a fronteira lá atrás no tempo e, como não houve outra definição depois dessa, continua válida”, sumariza Marco Pereira, o advogado que defendeu os interesses de Salreu, explicando que este será um “caso único” no país, uma vez que a área em questão tem “dimensão suficiente para ser, por si só, uma nova freguesia”. E prova o importante papel que a história continua a desempenhar na atualidade.
Segundo Marco Pereira, o motivo de Canelas estar atualmente a administrar aquele território prender-se-á com a Carta Administrativa Oficial de Portugal (CAOP), que atribuiu, “sem fundamento”, a área a Canelas.
A Carta Administrativa Oficial de Portugal é um “instrumento de trabalho importante que as câmaras e juntas utilizam”, mas, “quem tem legitimidade, quem pode definir ou alterar fronteiras é o Parlamento”, diz, sublinhando que não se encontrou mais nenhum documento que alterasse os limites após 1741.
Canelas vai recorrer
O desfecho só foi possível porque Marco Pereira tem uma “paixão e dedicação” à história local, tendo já 13 livros publicados. Isso permitiu-lhe saber onde procurar informação histórica e encontrar os documentos.
António Sousa, presidente da União de Freguesias de Canelas e Fermelã, adiantou que já está a ser preparado um recurso e o assunto será discutido numa próxima assembleia de freguesia.
O autarca diz que é “extremamente difícil reunir documentação”. Os “prédios urbanos e rústicos a sul do rio Jardim estão registados em Canelas”, mas a defesa desta união de freguesias não conseguiu encontrar “um documento que legitimasse a decisão da CAOP, mapas do Exército, Câmara e Ministério das Finanças”.
Já o presidente da Junta de Salreu, Manuel Almeida, diz estar “satisfeito” com a decisão.
Mudados sem sair de casa
Segundo apurou o “Jornal de Notícias2, o diferendo é antigo e, no território em disputa, há pessoas que defendem ser de Salreu e outras de Canelas.
A situação escalou há uns anos, quando algumas pessoas que até então consideravam ser de Salreu renovaram documentação e foram “transferidas para a freguesia vizinha, sem nunca terem mudado de casa”, relatou Manuel Almeida.
Mais de cem documentos entregues
Para o processo, o advogado e historiador Marco Pereira entregou 119 documentos, incluindo um de 1741, que confirmava a demarcação a sul do rio Jardim. O papel, até então desconhecido, estava no arquivo da Universidade de Coimbra e permitiu até ir além das pretensões iniciais de Salreu. Fazia “parte do cartório do Mosteiro de Jesus, em Aveiro – atual Museu de Santa Joana – que detinha várias propriedades, entre as quais Canelas”, pelo que guardava a delimitação que tinha sido feita entre os seus terrenos e as terras vizinhas de Salreu, explicou Marco Pereira.