A Paróquia de Monserrate, onde estão depositados restos mortais de Bartolomeu dos Mártires, venera o frei há várias gerações. O oratório com a sua imagem anda de casa em casa.
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"Ó Ana, o frei ainda não veio?". Celeste Gavinho, de 75 anos, chama pela vizinha na Ribeira de Viana do Castelo. Quer saber se o oratório com a figura de Bartomoleu dos Mártires demora a chegar. A "capelinha" onde são depositadas esmolas para o "Santinho da Ribeira", como o povo dali lhe chama, e que hoje vai ser canonizado em Braga, foi ideia de Ana Maria Castro, que mora na porta ao lado. E desde há cerca de dois anos roda todas as casas da paróquia uma vez por mês.
Fica 24 horas e segue o seu destino. Por vezes, há quem o retenha mais tempo. Celeste está sempre à espreita. "Quando dou conta que passa dos dias habituais, vou perguntar. Gosto de andar certinha. Veem aquela capelinha, com o santinho pequenino e o peteiro (mealheiro), gosto tanto. Quando o recebo na porta falo com ele: "Anda cá meu querido", conta. "Quando vai embora, digo-lhe que de hoje a um mês me encontre outra vez. É que a gente nunca sabe. Hoje estamos aqui e logo já estamos de barriga para o ar".
Nascida, criada e moradora de sempre na freguesia de Monserrate, freguesia urbana de Viana, que concentra a comunidade piscatória (Ribeira), Celeste dedica a sua fé a Bartolomeu, Senhora d"Agonia (padroeira dos pescadores) e Nossa Senhora de Fátima. "Para mim pode haver muitos santos, mas são estes que tenho cá dentro", diz ao JN. Ana Maria, de 66 anos, é a vizinha por quem todos chamam quando querem saber do Santo da sua devoção.
Zela pelo Frei Bartolomeu na Igreja do Convento de São Domingos, paróquia de Monserrate em Viana, que acolhe o seu túmulo. E de onde este domingo sairão dois autocarros em excursão a Braga para assistir às cerimónias da canonização. "Para Monserrate, Bartolomeu dos Mártires já é santo há muito tempo", afirma o pároco local, Vasco Gonçalves. Viana associou-se às celebrações e a zeladora esmerou-se na decoração do altar com antúrios, "flor fina, porque ele merece".
Ajudou-a na tarefa Miguel Lima, de 28 anos, um habitante da Ribeira que testemunha que a fé ao frei "vai passando de geração em geração". "São heranças. Não são prédios nem casas, são devoções que se herdam", afirma.
Um quarto para o santo
Ana Maria também é filha de uma devota fervorosa, Antonieta, que enviuvou nova. Perdeu o marido pescador no naufrágio do navio Arrogante e rezava todas as noites ao "Santinho da Ribeira". Então com seis anos, passou a dormir com a mãe e orava também: "D. Frei Bartolomeu dos Mártires, foste bispo e arcebispo, rogai pelas nossas grandes necessidades às chagas de Nosso Senhor Jesus Cristo (...)".
Conta que um sobrinho seu nasceu "por graça e interceção" do "Santinho da Ribeira". "A minha irmã perdeu duas gravidezes e ao terceiro a minha mãe apegou-se com Frei Bartolomeu, e o menino nasceu. Tem 40 anos e chama-se Bartolomeu", justifica.
Ana traz ao peito um cordão e uma medalha em ouro, que a mãe já falecida mandou fazer no ano da beatificação (2001). Foi graças a si que, em 2009, a imagem do novo santo começou a sair à rua. Mandou restaurar um andor em talha dourada e fazer um estandarte, que passaram a integrar procissões em terra e no mar nas festas da cidade. Em sua casa, o espaço onde dormia o filho, hoje com 41 anos e já casado, transformou-o no "quarto do frei", por ser onde guarda tudo relacionado com este. "Tudo o que lhe peço atende-me. Nunca me deixa na mão".