Santo António sai à rua com desfiles, arraiais e sardinhas com um travo “agridoce”
Lisboa vive hoje a sua noite mais popular, mas a par dos bailes e manjericos cresce a saudade do tempo em que os bairros mais típicos, com Alfama à cabeça, "eram casa e não cenário".
Corpo do artigo
Lisboa vive hoje o ponto mais alto das Festas de Santo António, com os tradicionais arraiais e bailaricos a tomarem conta da cidade. A noite promete ser longa, com marchas populares a desfilarem pela Avenida da Liberdade, casamentos de Santo António a selarem promessas de amor eterno, e ruas enfeitadas com manjericos e quadras populares. Alfama, como sempre, lidera a celebração, seguida por bairros como Graça, Mouraria ou a Bica, onde o cheiro a sardinha assada se impõe. Mas, em paralelo com a animação, cresce uma inquietação: até quando resistirá esta tradição?
A gentrificação, palavra cada vez mais comum no vocabulário lisboeta, tem vindo a esvaziar as zonas históricas dos seus moradores de sempre. Casas antigas transformam-se em alojamentos locais ou apartamentos de luxo, e o sotaque castiço dá lugar a idiomas estrangeiros. Alfama, epicentro da festa, é hoje mais cenário turístico do que bairro habitado.
"As sardinhas ainda assam, mas o sabor é outro", comenta Maria Santos, moradora de Alfama há mais de 30 anos. "É agridoce. Continuamos a celebrar, mas os de cá são cada vez menos", diz. Sentimento partilhado por outros vizinhos. Temem que, em poucos anos, as festas de Santo António se tornem apenas um espetáculo encenado para turistas, esvaziado do seu significado tradicional.
"O bairro está morto", desabafa António Carvalho, do Retiro das Tesas, um espaço de comida e bebida que já vem de muitas décadas. Enquanto montam o cenário, ele e o irmão Bruno olham com saudade o prédio ao lado e recordam os tempos em que o avô ali morava. "Agora é um alojamento local", contam. "Os senhorios aproveitaram a oportunidade para rentabilizar as casas e as pessoas foram embora. Agora são ruas inteiras sem moradores", diz António, enquanto o irmão remata: "Qualquer dia os turistas só terão cá prédios para ver, mais nada".