Loja fechou esta quarta-feira ao final de 70 anos na Baixa de Lisboa. Senhorio diz que vai "recuperar edifício a cair" e que no projeto da unidade hoteleira não há espaço para sapatarias.
Corpo do artigo
Os dois funcionários e o gerente da histórica sapataria Deusa, na Baixa de Lisboa, foram surpreendidos, esta manhã de quarta-feira, com uma ordem de despejo. "Apareceram com a polícia sem avisar e mudaram a fechadura. Acreditávamos que por sermos Loja com História estaríamos mais protegidos", desabafou emocionado o gerente da Deusa, José Fiandeiro. O representante da Rossio Place, proprietária do imóvel onde está a loja, disse ao JN que "vai recuperar um edifício que está a cair para construir um hotel de cinco estrelas".
O rés-do-chão onde se encontra a sapataria Deusa, a poucos metros do Rossio, há 70 anos não tem espaço no projeto da Rossio Place. Para ali e para as mais seis lojas do prédio que a empresa comprou - quatro das quais já fecharam - está previsto um restaurante e para os andares superiores 35 quartos de um hotel de cinco estrelas. O JN sabe que o projeto já deu entrada na Câmara de Lisboa, que confirmou que "está em apreciação". Agora só a distinção de Loja com História atribuída pelo município à sapataria poderá ajudar.
"Segundo a lei estes espaços têm de ser protegidos e o projeto não pode ser aprovado", explica Ana Navarro, a advogada do gerente da loja. Os funcionários da sapataria, ali a trabalharem há mais de três décadas, foram avisados na semana passada que teriam de sair, depois de o Tribunal da Relação ter dado seguimento a um recurso de uma ação de despejo interposta pelo senhorio, mas pediram "mais tempo".
"Deram-nos um mês para tirarmos tudo. Fiz aqui um investimento tão grande e agora não sei onde vou guardar a mercadoria. É arte que está aqui e se vai perder", lamentou José Fiandeiro. Segundo Luís Santos, funcionário da loja há mais de três décadas, "no espaço de cinco anos o prédio mudou algumas vezes de dono". "Isto é especulação imobiliária", critica o lojista que fica agora desempregado.
A Deusa entrou em insolvência em 2016 e fechou durante dois anos. Em 2018 reabriu, após o tribunal aprovar um plano de recuperação para a loja. Em 2019, o senhorio interpôs em tribunal uma ordem de despejo que lhe foi negada, mas recorreu da decisão e agora o Tribunal da Relação deu-lhe razão.
"Andamos nisto há quatro anos, temos sido muito pacientes. Só queremos investir nesta cidade. Estas lojas estão muito velhas, não é o que os turistas gostam de ver quando chegam. Não quero pôr dinheiro ao bolso, quero fazer coisas bonitas em Portugal", disse o representante da Rossio Place, que preferiu o anonimato. O advogado da proprietária do imóvel, João Louro, garante que "não houve má-fé". "Tentamos resolver de forma amigável e que saíssem voluntariamente, infelizmente tivemos de chegar a este ponto".