Alunos de Arcos de Valdevez ouviram geofísico Rui Moura descrever como vivem os astronautas no espaço durante o primeiro de três dias do projeto Alto Minho Science Fest. Iniciativa com dezenas de convidados quer aproximar comunidade académica da ciência.
Corpo do artigo
Como dormem os astronautas? O que comem? De que forma lavam os dentes ou vão à casa de banho? Os extraterrestres existem? O geofisíco Rui Moura, professor na Universidade de Aveiro, que foi dos primeiros portugueses a concluir o curso de astronauta suborbital do programa de treino apoiado pela agência espacial norte-americana (NASA), respondeu, esta sexta-feira, à curiosidade de dezenas de alunos e até de professores, na primeira edição do “Alto Minho Science Fest”, que decorre até este sábado em Arcos de Valdevez.
Para as sessões “O que faz e como se faz um astronauta”, Rui Moura mostrou aos estudantes do 2.º ciclo desde comida liofilizada [sumos, café, chili com carne, arroz de frango, courgete com camarão], a pasta de dentes, toalhetes e sacos de lixo, a objetos relacionados com a vida no espaço, como uma luva de um fato espacial russo, saco-cama, almofada, um saco de recolha de amostras ou um registo sísmico da lua. E contou, perante uma audiência “fascinada” e, por vezes, de olhos arregalados e boca aberta de espanto, tudo o que respeita ao quotidiano numa nave espacial.
“De uma maneira geral o que é necessário para se ser astronauta? A primeira coisa que vocês têm de fazer se um dia quiserem ir ao espaço é estudar. Terem curiosidade por estudar e habituarem-se a sítios ou atividades que tenham algum desconforto, nomeadamente viajar naqueles aviões a fazer aquelas macacadas, de andar de cabeça para baixo, andar ao contrário e fazer voltas apertadas. Não é nada que qualquer um de vocês não seja capaz de fazer. Têm é de se habituar”, disse Rui Moura, a uma turma do 2.º ciclo do agrupamento de escolas de Prado, Vila Verde, das primeiras a ter direito a uma hora de testemunho do astronauta esta sexta-feira de manhã. Interagiu, fez e respondeu a perguntas.
"Têm de ter estômago para andar no espaço"
“Sabem porque é que os astronautas têm uma pasta de dentes diferentes? Dou-vos uma dica, o que é que fazem depois de escovar os dentes? Cospem para a pia não é? Já pensaram no que é que acontecia se cuspissem no espaço? Ficava a flutuar, não era?”, perguntou divertido com as tentativas de resposta da audiência. “Então, o que é que temos de fazer?”. “Temos de engolir?”, questionou um aluno. “Isso, temos de engolir. E como a pasta de dentes normal é um bocado agressiva e, por vezes, os astronautas passam seis meses no espaço, davam cabo do estômago. Para evitar isso foi criada uma que possa ser engolida”, explicou, referindo ainda a questão do peso do que é levado nas naves espaciais. “Sabem quanto custa cada quilo do que é levado para o espaço? Custa 10 a 15 mil euros. Agora imaginem só quanto custa levar água…”, referiu, gerando espanto com o processo de “reciclagem” da água a bordo: “As pessoas quando vão fazer o seu ‘xixizinho’ à casa de banho, aquilo entra num processo de purificação. A urina é purificada e vai devolver água pronta para beber. Como me disse uma vez um astronauta: o teu copo de água de hoje, é o meu café de amanhã. Portanto, têm de ter estômago para andar no espaço”.
A uma aluna que lhe perguntou sobre “como dormem os astronautas”, explicou que “dormem a flutuar, num saco cama, agarrado com uns ganchos à parede”, e com a cabeça numa almofada própria, presa à cabeça.
Rui Moura foi questionado também por Lúcia Pinheiro, professora de TIC, sobre se em criança já sonhava ser astronauta. No final, a docente mostrou-se convicta de que alguns alunos poderão ter ficado a sonhar com idas à lua.
“Esta sessão vai ficar na memória de todos eles. Creio que há aqui futuros astronautas. Ficaram superinteressados nisto. Ficou o bichinho. Realmente é uma área que fascina, desperta curiosidade e que encanta também. Leva-nos a pensar no espaço, na importância de cada ser humano nesta imensidão”, comentou a docente, mostrando-se feliz pela oportunidade de escutar “o testemunho na primeira pessoa. “Nunca tinha conversado com um astronauta”, disse.
Heloísa dos Santos, de 12 anos, disse a Rui Moura que quer ser astronauta. “Quando era mais nova, o meu pai contou-me coisas sobre os planetas e eu fiquei assim: conta mais, conta mais”, disse ao JN, referindo: “Gostei de tudo o que ouvi aqui. Fiquei muito espantada com a nave fazer montes de curvas quando está lá [no espaço]”. E acrescentou: “Sabia como dormem e o que comem, mas não sabia como é a pasta de dentes. O meu sonho é ser astronauta. Ficava feliz em ir a qualquer planeta. Até pode ser próximo da Terra”.
O engenheiro, doutorado em Geofísica Aplicada e piloto com experiência de voo em mais de duas dezenas de modelos de aeronaves de asa fixa diferentes, Rui Moura, confessa também que mantém vivo o sonho de “ir ao espaço”.
“Iria já amanhã. Obviamente, tinha de me preparar. Tinha de me sentir preparado para levar a cabo a experiência. A viagem não é o que me assusta. Fazer as coisas bem feitas é o que me assusta mais”, declarou ao "Jornal de Notícias", manifestando que já ficava satisfeito “com uma viagem suborbital”. “As viagens são relativamente baratas e curtas. A agência espacial italiana, por exemplo, já pagou a vários investigadores e tripulantes da Força Aérea para fazer um pequeno voo suborbital. São voos que custam meio milhão”, disse, adiantando que “um voo orbital para os países, para as agências, custa no mínimo 55 e 60 milhões. E para a lua, é uma coisa que só está ao alcance de países que têm capacidade de lançamento lunar, como os EUA e, eventualmente, num futuro próximo a China também”.
“Dentro das possibilidades, acho que Portugal tem essa possibilidade de fazer uma missão suborbital com representantes nacionais. Em termos de sonho, o objeto planetário que me fascina é Marte”.
A primeira edição do “Alto Minho Science Fest” está a decorrer no Centro de Ciência Viva de Arcos de Valdevez. Trata-se de um evento aberto à comunidade escolar e académica, e também ao público em geral, e cuja programação junta em três dias no mesmo espaço cerca de 40 convidados, desde astronautas e cientistas, a intelectuais, comunicadores e até ilusionistas. No local estará disponível para diversão dos visitantes uma nave de realidade virtual. No centro do debate e das várias atividades programadas, vão estar temas como Inteligência Artificial (IA), espaço e astronomia e tendências da tecnologia.