Sem-abrigo no campismo de Espinho: "O melhor é que posso tomar banho todos os dias"
"Isto é um T4 com jardim", brinca Manuel. Reclama ser tratado por "patrão", como é conhecido, e não podia estar mais contente. Aos 49 anos, sentado num banco à porta da sua tenda, diz que adora campismo e garante que se dá bem com os vizinhos.
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É um dos 11 sem-abrigo que já estão a habitar no parque de campismo de Espinho, de gestão municipal. A Autarquia abriu-lhes as portas durante a pandemia, instalou 18 tendas e leva-lhes todos os dias as refeições.
"Aqui eles têm um espaço para estarem protegidos. Usam os balneários para a higiene pessoal, temos desinfetante. E podem ir conversando uns com os outros com a devida distância", explica Anabela Lourenço, técnica municipal. O concelho tem 31 sem-abrigo sinalizados, nem todos acederam ao desafio. Para já, há 14 inscritos e 11 instalados. "Os que aceitaram ficaram muito satisfeitos com a possibilidade de terem um sítio para ficar, porque na realidade está-se a pedir para que fiquemos em casa, mas eles não têm uma", diz a técnica. A Autarquia vai fazendo o giro pelo concelho, para convencer mais a aderir.
"É gente boa, aqui"
Não foi preciso muito para convencer Américo. Tem 53 anos e vive numa antiga fábrica abandonada. Costuma estar a pedir esmola junto à capela da Nossa Senhora da Ajuda. "Nem isso fazia já. Óbvio que tenho medo. Tenho consciência de que este vírus é terrível para o Mundo", reconhece. Está no campismo há uma semana: "Disse logo que sim. Esta é uma boa solução. Eu estava na rua e é muito complicado". Fala com a clareza de quem não tem consumido. Está a tentar desligar-se da droga e vai recomeçar a toma de metadona. "Não posso queixar-me. Estou a ser muito bem tratado. E o melhor é que posso tomar banho todos os dias".
A Paróquia de Espinho abria-lhes as portas todos os dias para comerem, agora dá as refeições em regime de takeaway. E eles nem precisam de sair do seu "hotel", como lhe chama Maria [nome fictício]. "Neste momento, nós vamos buscar a comida, da mesma forma que o estamos a fazer para ajudar pessoas idosas", diz Anabela Lourenço.
Maria, que está ali com o companheiro, agradece. "Já tínhamos pedido ajuda à Câmara para sair da rua, somos todos humanos, esta pandemia é perigosa para todos e nesta situação não temos como nos proteger".
João [nome fictício], o companheiro, quase se emociona: "É gente boa aqui. Sempre atenciosos. Trazem a comida, tomamos banho. Perguntam se estamos bem, se temos frio..." A única coisa que lhes impõem são algumas regras. Anabela explica: "A ideia é que eles percebam que têm que ficar aqui o máximo possível. Mas podem sair. Só não podem à noite".
Trabalho em conjunto
O "patrão" não se aborrece. Prefere estar ali do que onde vivia. "Não tinha água quente, nem como lavar a roupa. Aqui estou mais protegido, porque isto está a agravar-se". A vereadora da Ação Social, Lurdes Ganicho, sublinha que "toda a rede social está a trabalhar em conjunto" e que as regras "servem para manter a tranquilidade".
Detalhes
Sinalizados
A Câmara tem um programa de apoio aos sem-abrigo e conta 31 sinalizados. Só 14 aceitaram o desafio de ficar no parque de campismo, que tem capacidade para receber 18. Estão a ser integrados aos poucos.
Escuteiros ajudaram
As 18 tendas foram cedidas pelos Escuteiros de Anta e Espinho. Os colchões, cobertores e almofadas foram cedidos pela paróquia de Espinho. E os lençóis e roupa de cama pela Cruz Vermelha do concelho.
Gestão municipal
O parque de campismo é gerido pela Câmara e segundo o autarca Pinto Moreira "não se prevê este ano que funcione, por isso está afeto a esta necessidade".