Sem cursos, aulas nem professores: a universidade em Guimarães que quer mudar o Mundo
A partir de Guimarães, instituição da ONU forja governação digital de vários países, congregando uma equipa de 14 nacionalidades.
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A Universidade das Nações Unidas (UNU-EGOV) está instalada, desde 2014, no campus de Couros, no centro da Cidade Berço. A investigação produzida nesta unidade, que não tem aulas, professores, nem atribuiu graus académicos, está focada em áreas como governação digital, proteção de dados e privacidade, cibersegurança, inteligência artificial (IA), blockchain, internet das coisas, governação de dados, participação cívica e inclusão digital. A consultoria a agências governamentais é outro dos aspetos relevantes da atividade da UNU-EGOV, de que é exemplo a elaboração da estratégia de governação digital de Cabo Verde e o respetivo plano de ação. A instituição é uma ferramenta de “soft power” para a diplomacia portuguesa, mesmo assim, segundo a sua diretora, Delfina Soares, tem enfrentado dificuldades para renegociar com os governos a permanência no país.
Cabo Verde é um dos países africanos que mais aumentou a oferta de serviços públicos digitais nos últimos anos. “Desenvolvemos a nossa estratégia com a colaboração da UNU-EGOV, a partir de 2020. Nos dois anos seguintes, o plano de ação também foi trabalhado em Guimarães”, refere João Cruz, diretor nacional da modernização do Estado de Cabo Verde. Este pequeno país é apontado pela UNU-EGOV como um caso de sucesso que é seguido como exemplo por outros países africanos. O portal único de serviços do Estado permite tratar dos registos criminal, predial e automóvel e também constituir uma empresa na hora. O Cartão Nacional de Identificação já tem associada uma chave móvel digital, tal como o Cartão de Cidadão português, frequentemente apontado como um bom exemplo. O caso cabo-verdiano foi apresentado sob a forma de um trabalho académico, na ICEGOV (Conferência Internacional sobre Teoria e Prática de Governação Eletrónica), na Grécia, em 2021, e foi reconhecido com um prémio.
No campus de Couros da UNU-EGOV, encontram-se investigadores de 14 nacionalidades, especialistas em áreas que vão das tecnologias de informação e computação até às Ciências da Comunicação, passando pelo Direito, Arquitetura e Administração Pública. Soumaya Ben Dhaou é tunisina, especialista em Sistemas de Informação, com dois doutoramentos, em França e no Canadá, está na UNU-GOV há sete anos e debruça-se sobre as implicações, riscos e benefícios, da adoção da IA na governação digital. “O grande problema é que estamos a adotar tecnologias para as quais não há um quadro legal e os riscos são enormes”, alerta. Neste campo, a UNU-EGOV ajuda as agências governamentais e os municípios a adotar a IA de uma forma mais responsável.
Naci Karkin é um investigador turco, na área da administração pública. “Interessa-me a interação entre os cidadãos e o Governo através das redes sociais”, explica. Este especialista defende o uso da tecnologia para promover uma democracia mais direta. “Atualmente é muito fácil medir e avaliar o que as pessoas pensam individualmente, uma coisa que não era possível há 30 anos. Os governos não têm desculpa para ignorar isso, se as pessoas mudaram a governação também tem de mudar”, aponta. Naci Karkin, todavia, avisa que a tecnologia pode ser boa, quando aumenta a participação dos cidadãos na decisão, “mas também pode ser erosiva quando é usada para espalhar falsas notícias e manipular as opiniões”.
Ajuda à diplomacia
A desinformação é um dos campos da investigação de Mariana Lameiras, uma das responsáveis na UNU-EGOV pela elaboração de uma estratégia pedida por vários países africanos para lidar com este problema. Segundo Delfina Soares, “a UNU-EGOV é um instrumento de ‘soft power’ para Portugal”. Dá o exemplo do programa de capacitação digital que estão a preparar, a pedido do Ministério dos Negócios Estrangeiros, e que será oferecido a países da África Central. No entanto, o contrato para a permanência desta unidade operacional da UNU expirou em 2023 e ainda não foi renovado.
Encontro
Portugal ajuda países em desenvolvimento
Uma delegação de 29 dirigentes da administração pública de vários países em desenvolvimento – como o Azerbaijão, Irão e Venezuela – estiveram, em Guimarães, para o programa UN Portugal Digital Fellowship, promovido pelo Governo com a UNU-EGOV.
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Por renovar
Até 2023, o Estado português financiou a UNU com um milhão de euros anuais para atividade operacional, mais um milhão de capital para um período de cinco anos. Se a unidade operacional passar a instituto, como pretende, estes valores duplicam. Nos últimos três anos a instituição tem funcionado apenas com as receitas próprias.
Parceira
A UNU-EGOV é parceira do Governo, em Portugal, na inovação e desenvolvimento da Governação Eletrónica e Transformação Digital. Está em diversos projetos com AMA – Agência de Modernização Administrativa.