Auxiliar do Centro de Saúde de Matosinhos com Covid-19 queixa-se de falta de acompanhamento. Marido nunca foi testado e agora não o deixam trabalhar.
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Teste positivo à SARS-CoV-2, dois dias em observações, três na enfermaria. Está há 12 dias em casa "sem um único telefonema". A medicação acabou. Fez um segundo teste. Não sabe o resultado.
O marido tentou ir trabalhar. Não o deixaram. Nunca foi testado, nem os filhos, nem as colegas mais próximas. Zilda Pinto é auxiliar na Unidade Local de Saúde de Matosinhos (ULSM). A ULSM diz que devia ser seguida pela médica de família. Esta diz que Zilda "não consta no sistema". "Sinto-me abandonada. É um desespero", diz ao JN a mulher.
O caso começou a 3 de abril. Zilda veio do trabalho na ULSM. Começou a sentir-se mal: febre, falta de forças, falta de ar. Ligou para a saúde ocupacional. Mandaram-na ir à Urgência do Hospital Pedro Hispano (que integra a ULSM). Fez exames, raio-X e o teste à Covid-19. "Como tenho artrite reumatoide e estou sempre imunodeprimida por causa da medicação, o médico disse-me logo que ia ficar internada", disse. No dia seguinte, "a pior notícia": o teste à Covid-19 era positivo.
Esteve cinco dias no hospital. A 8 de abril, teve alta. Foi para casa, medicada com hidroxicloroquina, lopinavir e ritonavir. "Nunca mais ninguém me ligou! Não quiseram saber com quem estive, se o meu marido e os meus filhos estavam bem. Nada", lamenta [ver caixa].
No dia 14, a medicação acabou. Tinha parado a da artrite por ordem do médico. Agora, está "entre quatro paredes e cheia de dores". "Nem sei se posso voltar a tomar a da artrite ou se tenho que fazer mais medicação para a Covid-19. Ainda tenho tosse", conta.
Isolada no quarto
Zilda está num quarto isolada, com uma casa de banho só para si. O marido passou a dormir na sala. Não vê os filhos, de 15 e 19 anos. Já perdeu a conta aos telefonemas: SNS24, médica de família, saúde ocupacional. Nada. Na sexta-feira, conforme a requisição passada aquando da alta, foi ao Pedro Hispano fazer nova análise. Que esperasse por um telefonema: "Soube que é positivo depois de muitas cunhas", porque oficialmente ninguém me disse nada".
Ontem, o marido tentou ir trabalhar. O patrão não o deixou. Exigiu-lhe um teste negativo. Também ele não sabe o que fazer.
não está no Trace Covid
Contactada pelo JN, a ULSM diz que o acompanhamento de Zilda após a alta "cabe aos cuidados de saúde primários", portanto, "à USF do Alto da Maia, onde está inscrita". Daí dizem que o histórico de Zilda não está no Trace Covid (o sistema através do qual é feito o registo para que o doente seja acompanhado).
A mulher não esconde a revolta: "Grito por ajuda e ninguém me ouve".
PREVENÇÃO
Colegas e família não foram testados
Revoltada, na sexta-feira à noite, Zilda decidiu partilhar a sua história no Facebook. Ontem à tarde, o texto tinha já 5900 comentários e 7600 partilhas. Zilda continua a dar voltas à cabeça para perceber onde falhou nos procedimentos de segurança.
O marido e os filhos nunca foram testados. Ninguém lhe perguntou com quem esteve, com quem partilhava a casa. "Fizeram todos quarentena, porque nós decidimos que era melhor. E se não tivessem feito e andassem aí a contaminar toda a gente?", questiona Zilda, preocupada com a família e também com as colegas de trabalho.
"Elas continuam a trabalhar e a que estava mais comigo nunca foi testada. Não consigo perceber! Quantas pessoas estarão na mesma situação que eu? Quantas andaram na rua sem qualquer controlo", remata Zilda. A ULSM escuda-se na confidencialidade dos processos clínicos e, sobre isso, nada diz.