Enviados para casa em situação de "inatividade" com a promessa de que continuariam a receber os seus salários até ao arranque de um processo de despedimento coletivo, há trabalhadores da empresa de construção Soares da Costa que estão há anos sem receber o ordenado. A firma, sem obras em Portugal, é alvo de 23 pedidos de insolvência no Tribunal do Comércio de Gaia, apresentados pelos funcionários.
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O Sindicato da Construção de Portugal diz que a dívida ascende aos 60 milhões de euros (entre salários e indemnizações) e que há trabalhadores que já morreram à espera de receber.
O JN tentou contactar a empresa, mas sem sucesso.
Entre queixas à Autoridade para as Condições do Trabalho, emails ao primeiro-ministro e pedidos de audiência à ministra da Justiça, sem que nada se resolva, há quem suspenda o contrato de trabalho para aceder ao subsídio de desemprego. Outros sustentam-se com as poupanças, o salário da mulher, emigraram ou têm outros rendimentos.
Cerca de 50 trabalhadores mantêm o vínculo, mas as situações diferem de uns para os outros. Há quem tenha recebido, a determinada altura, parte do salário que estava em atraso, mas outros não.
"demora da justiça"
Albano Ribeiro, presidente do sindicato, conta que há cenários "muito tristes", referindo-se a um funcionário que emigrou para a Bélgica para trabalhar e morreu num acidente de trabalho.
Jorge Braga, de 60 anos, suspendeu o contrato em novembro de 2018. "A situação era insustentável", afirma o trabalhador, que conta 35 meses de salários em atraso. Os pedidos de insolvência, revela, "são resolvidos um a um". Ou seja, o tribunal só passa para o seguinte quando o anterior ficar resolvido.
Nos últimos três anos ficaram concluídos três desses processos, condenando a empresa a pagar aos trabalhadores. Perante a "demora da Justiça", há quem prefira manter o vínculo até que "o barco afunde".
Além disso, muitos não têm rendimentos para suportar uma despesa extra com advogados, dizem outros trabalhadores, que preferiram manter o anonimato por receio de represálias. Um deles tem 44 ordenados em atraso.
De acordo com os funcionários ouvidos pelo JN, dos que se mantêm "no ativo" - não serão mais de 20 -, também há salários por pagar. Ao testemunhar o que aconteceu aos colegas enviados para casa, que dizem sentir-se "enganados", muitos não aceitaram o estatuto de "inatividade".
obra em angola
As instalações da empresa em S. Félix da Marinha, Gaia, são as únicas abertas, "para apoiar a operação em Angola". Com a consignação de uma obra de abastecimento de água naquele país, bem como a assinatura do respetivo contrato de financiamento, alguns acreditam que parte dos salários em atraso seja paga.
CGD perdoou 400 milhões à empresa
O presidente do Sindicato da Construção de Portugal, Albano Ribeiro, diz ter pedido uma audiência à ministra da Justiça sobre os processos que decorrem no Tribunal de Comércio de Gaia. No entanto, "dada a postura" da governante, o sindicalista afirma que foi pedida a intervenção do primeiro-ministro, "mas até hoje a situação mantém-se".
De acordo com o presidente do sindicato, a aprovação do Plano Especial de Revitalização da Soares da Costa implicou um perdão da Caixa Geral de Depósitos à empresa de 400 milhões de euros. "Se a empresa, após a aprovação do plano, não o cumpre no primeiro mês e no segundo continua sem cumprir, tem de abrir insolvência", explica Albano Ribeiro, apesar de garantir que "não está de acordo com isso".