Intervenção de limpeza simultânea na Maia, Matosinhos, Valongo e Santo Tirso arranca na segunda-feira, graças a financiamento de quatro milhões.
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Faz hoje dois anos que foi criada a Associação Corredor do Rio Leça, "caso único no Mundo" em que quatro municípios - Santo Tirso, Valongo, Maia e Matosinhos - se uniram com o propósito comum de reabilitar o curso de água ao longo de 48 quilómetros, da nascente até à foz, daquele que já foi considerado o rio mais poluído da Europa. Artur Branco, diretor-executivo da associação, garante que o projeto "está a correr muito melhor do que qualquer perspetiva".
Na próxima segunda-feira, na Maia (concelho que preside atualmente à associação), ocorrerá o arranque simbólico da intervenção maior de quatro milhões de euros, fruto de uma candidatura a um financiamento europeu, para reabilitação e valorização das margens do rio Leça e dos principais afluentes.
Além de uma limpeza profunda do Leça, o rio passará, dentro de cerca de três meses, a ser monitorizado 24 horas por dia, do ponto de vista da qualidade da água, através de sondas fixas que vão ser colocadas em 12 pontos diferentes.
No fundo, o que vai ser feito é "desmatar e retirar a vegetação das margens do rio que estão intocadas desde sempre", resumiu Artur Branco, detalhando que o que a intervenção vai fazer "é retirar resíduos de lixo e tirar plantas exóticas invasoras, que são um drama para a biodiversidade e para a qualidade da água do rio".
Depois disso, a operação é "reforçar as margens que têm erosão em alguns pontos, através da engenharia natural, usando, por exemplo, as raízes das árvores". Por último, segue-se a replantação, "sempre que nos for permitido nos dez metros de cada lado do rio, em 71 quilómetros, porque apanha as duas margens e alguns afluentes", explicou o técnico.
Mas para a limpeza acontecer é preciso "autorização dos proprietários", referiu o diretor-executivo da associação, dando conta que "90% das margens do Leça são privadas", contabilizando "cerca de um milhar de pessoas".
Limpeza até dezembro
Uma das campanhas que começaram no final do ano passado na associação foi precisamente "andar a pedir autorização a todos os proprietários para fazermos aquilo que eles deviam fazer, de forma totalmente gratuita", referiu Artur Branco.
Porém, apesar de já terem acontecido sessões de esclarecimento nos quatro municípios, não tem havido "muita adesão", lamentou o responsável, frisando que basta ir "ao site da associação [corredor.rio-leca.pt] onde os proprietários apenas têm de preencher um formulário".
O que é certo é que a limpeza "tem obrigatoriamente que durar - se não houver nenhuma prorrogação do financiamento - até dezembro de 2023", reforçou Artur Branco, salientando que, "por isso, haverá quatro frentes de obra em simultâneo [uma em cada um dos quatro municípios] intervenção que começa na próxima segunda-feira".
O diretor-executivo da Associação Corredor do Rio Leça está consciente de que será "muito complicado" cumprir o prazo, mas assume: "Vamos ter que fazer o máximo possível com o tempo que temos".
A voz dos autarcas
Para António Silva Tiago, presidente do Município da Maia e da "Corredor Rio Leça", "este é, atualmente, um dos maiores desafios" da associação que completa dois anos de existência. "Trata-se da limpeza e regeneração das margens do rio, obra cuja consignação será simbolicamente assinada no dia 5 de junho, Dia Mundial do Ambiente. Só através da realização dessa obra, será possível reabilitar o rio Leça e devolvê-lo à Natureza e à fruição da comunidade", diz o autarca.
" Mas considero que o grande desafio passará por envolver os proprietários dos terrenos e convencê-los para a urgência de trabalharem, em conjunto, com a Associação do Corredor do rio Leça. É fundamental um envolvimento e um compromisso dos proprietários com este projeto, que é um compromisso das quatro autarquias que estão empenhadas em devolver o Leça às suas gentes e à Natureza", atalha
E acrescenta: "É imprescindível que toda a cidadania, se mobilize, envolva e comprometa, por forma a que cada cidadã, cada cidadão, independentemente da idade, condição socioeconómica ou opções de vida, se torne um guarda-rios e defenda a integridade natural e a biodiversidade do rio Leça. Recuperar, regenerar e reabilitar ambientalmente o rio Leça é possível, claro que sim, mas se quisermos e soubermos abraçar esse desafio de sermos verdadeiros cidadãos guarda-rios".
"É com imensa satisfação e orgulho que vemos avançar no terreno o projeto de requalificação do rio Leça. Estamos empenhados em sensibilizar e envolver diretamente a comunidade na construção de uma infraestrutura azul com relevância social, económica e ambiental. Vamos continuar a alocar recursos para prosseguir a recuperação das margens e a despoluição do rio, designadamente através do aumento da capacidade de resposta da ETAR de Ermesinde, para que a curto prazo as águas do Leça voltem a ter uma qualidade extraordinária", considera o presidente da Câmara de Valongo, José Manuel Ribeiro.
Luísa Salgueiro, presidente da Autarquia de Matosinhos, salienta que "o projeto do Corredor Verde do Leça é um projeto estruturante para Matosinhos e arrisco dizer que é um dos mais ambiciosos projetos ambientais em curso no país. Em Matosinhos, depois da conclusão da primeira fase, tivemos real noção do impacto deste corredor verde junto da população, uma vez que se trata já de um dos principais locais para a prática de caminhadas e desporto informal do concelho".
Diz mais: "A segunda fase do projeto, entre a Ponte de Moreira e a Ponte do Carro está em andamento e deverá ficar concluído este ano, sendo que o projeto da terceira fase, entre a Ponte do Carro e a foz do rio, em Leça da Palmeira, está já em execução e deve estar concluído até ao final do ano".
O rio Leça está intrinsecamente ligado à identidade de Santo Tirso e é, por isso, inegável a importância da estratégia em rede que agora é concretizada" refere o presidente da Câmara tirsense, Alberto Costa.
"Em Santo Tirso desenvolvemos um Projeto Estratégico de Reabilitação das Linhas de Água (PERLA) em que o objetivo é preservar os recursos hídricos do município e o Leça integra o conjunto de linhas de água a preservar, aponta, sublinhando que "preservar os recursos hídricos, apostar na conservação da natureza e promover o potencial cultural, arqueológico e histórico de um rio que nasce em Santo Tirso tem, para nós, um importante significado simbólico e, ao mesmo tempo, representa um forte investimento na melhoria da qualidade de vida das populações".
"Na medida em que se pretende que este seja um projeto com futuro, um dos principais desafios será conseguir granjear o envolvimento da população e stakeholders tendo em vista a sustentabilidade e manutenção da biodiversidade desse património único que é o Leça. Precisamos do compromisso dos proprietários de terrenos marginais aos cursos de água para cumprir o nosso programa na plenitude, que envolve, para lá da obra, a dinamização de atividades que possam, não só potenciar e valorizar, mas também dar a conhecer esse território", remata.
Primeira Pessoa
"É cativante ser guarda-rios"
José Silva, 54 anos, é um dos quatro guarda-rios que trabalham, de segunda a sexta-feira, a vigiar as margens do Leça. Antes deste serviço, estava ligado aos espaços verdes da Câmara de Matosinhos. Agora tem a tarefa de percorrer "a totalidade do rio". Munido de tablet, conta que consegue "reportar qualquer anomalia em poucos minutos". Já através de uma sonda móvel avalia a qualidade da água. José confessa que "é cativante ser guarda-rios".
Detalhes
Biodiversidade
A monitorização da biodiversidade e da qualidade da água em todo o rio Leça arrancou neste mês. Segundo Artur Branco, diretor-executivo da Associação Corredor do Rio Leça, "biólogos especializados vão estudar a biodiversidade do rio Leça". A monitorização vai durar dois anos, prolongando-se para além do tempo da obra, e vai "medir, sobretudo, os efeitos que a intervenção teve".
Área abrangida
A área do corredor do rio Leça abrange quatro municípios, com uma população de cerca de 500 mil pessoas.