Pequena aldeia do concelho de Vila Nova de Poiares atraiu pelo menos 13 novos habitantes nos últimos três anos. Gente de fora, ou cá de dentro, que encontrou uma comunidade amistosa e que sabe receber quem procura uma nova forma de vida.
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Jorge e Maria Clara, naturais de Sintra, chegam de mão dada à entrada do pequeno café no Centro de Convívio de Soutelo. São dois saloios na província, entre casais do Brasil e do Canadá. Em breve chegará um dos EUA e outro de emigrantes em França para se instalarem naquela aldeia da freguesia de Arrifana, em Vila Nova de Poiares.
Dos 70 habitantes permanentes, 13, aproximadamente 20%, nasceram noutras paragens, de fora e de dentro de Portugal. “Sempre pensei que teria muitas dificuldades em adaptar-me a um sítio diferente, a nível paisagístico e de convívio com as pessoas. Mas as coisas melhoraram em todos os aspetos. Habituei-me à paisagem, que é lindíssima, às pessoas, que nos receberam muito bem. Não podia ser melhor”, diz Maria Clara, que viveu 15 anos no Alentejo e se mudou para Soutelo em abril de 2021. “Sentimo-nos muito melhor aqui, pelas pessoas, principalmente”, aduz o companheiro, Jorge Gil.
Amigos de uma infância vivida em Sintra, colegas de escola e de trabalho, fizeram-se casal aos 50 anos, separados de vidas anteriores. Do apoio mútuo, nasceu um amor, há 18 anos, que tomou caminho no Alentejo, durante década e meia, continuando em Soutelo desde 2021.
“Estamos muito bem amparados, tratados como familiares”, diz Maria Clara, sentada à sombra de uma mesa no Centro de Convívio de Soutelo. "É a minha maezinha adotiva", atalha Maria Helena, acompanhada do marido, Luís Carlos Santos. “Sem nos conhecerem de lado nenhum, ofereceram-nos uma casa para estar o tempo que fosse preciso durante as obras na nossa. Estivemos lá três ou quatro meses. Isso é uma coisa que não esqueço”, diz Jorge Gil.
"Como uma família"
“Porque não havemos de nos dar bem?” Luís Santos responde à própria pergunta. “Se fôssemos para fora, também gostaríamos de ser bem recebidos”, acrescenta o presidente do Centro de Convício de Soutelo. “Só numa comunidade assim é que isto pode acontecer”, responde Jorge Gil.
“Soutelo é como um sonho tornado realidade”, diz Danielle McKay, canadiana que se mudou com o marido, Bret, para Portugal em novembro de 2023. “Queríamos muito viver numa comunidade acolhedora, com vizinhos simpáticos, num ambiente comunitário e Soutelo é nada menos do que incrível nesse aspeto”, assevera.
“Aqui somos como uma família”, diz Alcina Santos, em conversa abrigada pela sombra de um plátano que ainda tem as marcas do incêndio de 2017, que lambeu o pequeno promontório onde se ergue, como uma farol, o Centro de Convívio. “É uma mais-valia para Soutelo, junta ali as pessoas”, diz José Henriques, presidente da Junta de Arrifana, desfiando as razões para o interesse na aldeia. Sossego, tranquilidade e natureza... humana. “A vizinhança cativa as pessoas. Apresentam-se quando chegam, oferecem coisas da horta, fazem com que se sintam bem”, aduz o autarca. “Tenho uma caixa de maracujás na porta da frente, nunca me tinha acontecido. As pessoas são muito generosas, dão-nos tanta fruta e vegetais”, diz Danielle.
"Puxados para o convívio"
“Soutelo nos presenteia com qualidade de vida”, acrescenta Aline, que trocou a agitação de uma vida corporativa em São Paulo, cidade com cerca de 12 milhões de habitantes, por uma ilha de pessoas. “A qualidade de vida é o que nos rodeia”, diz Jorge Gil. “Sempre fui um bocado de bicho do mato, não sou de trato muito fácil, mas aqui sinto-me em casa”, acrescenta. “Agora é bicho de jardim”, atira Maria Clara, gargalhada franca e feliz, arqueando no banco. “Lena, queres levá-lo para o teu jardim, que é bonito?” As gargalhadas são levadas pelo vento que agita as folhas do plátano na fase descendente da tarde.
“Sinto-me muito mais à vontade com as pessoas. E foram elas que contribuíram para isso. Aqui somos quase obrigados a conviver”, diz Jorge Gil. “São convidados”, corta Maria Helena, para que não fiquem dúvidas que a força de Soutelo é a do bem. “Somos puxados para o convívio”, corrige Jorge, sorrindo, como quem se desculpa da gafe.
“Isto é qualidade de vida, em vez de estar cada um na sua casa”, sublinha Alcina Santos. “Convívio é o que melhor levamos da vida”, acrescenta. Maria Clara bebe mais um trago do tango, bebida do casal nos dias quentes de conversa amena em Soutelo, com a serra de São Mamede em pano verde de fundo. “Olhe, até nisso mudei. Não suportava o cheiro da cerveja, e agora...” Maria Clara ergue o copo e sorve mais um trago do tango, a bebida de eleição nos dias quentes e tardes de conversa amena em Soutelo, com a serra de São Mamede em pano verde de fundo.
Casados há 24 anos, Danielle e Bret deixaram o Canadá à procura de uma vida “mais calma”, longe dos problemas de segurança e droga. “Coisas que não vemos aqui nas notícias”, diz. A filha, Layna, de 20 anos, que vai vivendo entre viagens e a fotografia, é o 14.º “adotado” de Soutelo nas temporada que passa na aldeia com os pais. “Tivemos oportunidade de sair para melhor e escolhemos Portugal”, diz a canadiana, “muito feliz” com a comunidade que encontrou.
“É um grupo de pessoas muito amigável, com uma recetividade muito grande para os imigrantes, e que nos acolheu de uma maneira muito aberta e amorosa”, diz Aline, que deixou o Brasil, em outubro, e aterrou com o marido, Rodrigo, naquele jardim de tranquilidade verde. “A ideia foi viver. Em São Paulo, sobrevive-se”, diz.
Sem transportes públicos mas perto de tudo
Não há só rosas, em Soutelo. Mas, assim à vista, até os espinhos são aparados pela população. “Não há transportes públicos, mas se há necessidade de um caro, há sempre alguém disponível que nos leva”, exemplifica Maria Clara. "Temos de ser uns para os outros", dis Luís Santos. Apesar da escasses de transportes, espelhada num autocarro que passa cedo pela manhã e volta ao fim da tarde, como um boomerang atido a Coimbra, Jorge Gil não sente peso algum da interioridade. “Aqui estamos perto de tudo. A hora e meia do Porto, pouco mais de Lisboa. Não falta nada”, acrescenta.
“Perto de uma cidade como Coimbra, é um equilíbrio perfeito. Fazemos as compras em Vila Nova de Poiares, para apoiar a comunidade local e os mercados à nossa volta. É um local incrível para se viver”, diz Danielle. Bret e Danielle Mckay têm uma empresa de construção no Canadá, que gerem, online na ilha verde de Soutelo, com um oceano pelo meio. “Escolhemos fazer uma mudança de vida, poderemos começar algo aqui...nunca se sabe”, adianta.
Para a filha do casal McKay, Layna que vai andando entre o Canadá e Portugal, o pouso de Soutelo parece perto do centro do Mundo. “Para quem tem o bichinho das viagens, poder viver num sítio de onde pode viajar para o mar, para outros países de comboio ou autocarro, low-cost de avião, é um sonho realizado. Está no sítio perfeito para isso”, diz a mãe. "Viajar na Europa e viver no Canadá é muito caro. Isso foi também uma grande parte da nossa mudança”, acrescenta Danielle.
"Que venham mais, precisamos é de gente", diz Luís Santos. “Oh Luís Carlos, com muita publicidade começa a cair aqui muita gente e acaba-se o sossego”, alerta Jorge Gil, sintrense que se instalou na aldeia, com Maria Clara, há três anos. “Estou a brincar! Toda a malta é bem-vinda”, acrescenta Jorge Gil.
Três freguesias em concelhos vizinhos notam tendência
A Junta de Arrifana não tem dados sobre quantos "estrangeiros" vivem em Soutelo. “Normalmente, só conheço o cabeça de casal quando precisa de tratar alguma coisa", diz José Henriques. "Mas tomara que venham mais", acrescenta o autarca, que vê na chegada de gente de fora uma forma de contrariar o esvaziamento do interior.
E não está sozinho. “Com esta nova tendência de voltar à terra, por haver mais estrangeiros e algum turismo aqui e ali consegue-se fixar mais pessoas”, diz a presidente da Junta de Lousã e Vilarinho (concelho da Lousã), Helena Correia. “Já temos bastantes estrangeiros a viver na Lousã”, confirma.
À vista do olhar de Semide (Miranda do Corvo), a serra é mais do que uma paisagem. “Nota-se que há mais estrangeiros, especialmente ingleses”, diz o presidente da Junta de Semide e Rio de Vide, Luís Martins. “Se não fosse o preço de algumas casas, por vezes exorbitante, certamente teríamos mais gente de fora a vir para cá”, sublinha o autarca.