Habitantes reaprendem a escrever e há quem já aceite caminhadas. Mas o "miminho" mais procurado do projeto é a podologia.
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"Lá vêm as minhas queridas amigas". Fernanda Garcia, de 61 anos, recebe as técnicas com um largo sorriso que parece afastar as nuvens cinzentas que, naquele dia, pairavam sobre o cume da cordilheira de serras de Pampilhosa da Serra.
Fernanda é uma das 175 pessoas inscritas no projeto de inovação social "100 Idade", no terreno desde 2019 para proporcionar uma vida ativa aos habitantes isolados (onde o carro do lixo é a única visita regular), promovendo a estimulação cognitiva, a mobilidade e a saúde do pé. Foi lançado pela Associação de Solidariedade Social de Dornelas do Zêzere, a Santa Casa da Misericórdia de Pampilhosa da Serra e Cáritas Diocesana de Coimbra. O JN acompanhou uma visita.
O concelho tem uma dispersão geográfica acentuada. Metade dos moradores tem 60 ou mais anos. É o caso de Fernanda, que vive em Foz da Égua, cuidadora da mãe de 92 anos, da irmã com dificuldade de locomoção e do irmão. Sozinha toma conta de três. O marido, também já reformado, trata da horta. Quando avista Tânia Ramos, enfermeira e coordenadora do "100 Idade", e Lilian Silva, licenciada em Gerontologia (na equipa está também Ana Duarte, fisioterapeuta), Fernanda sai de casa para que o reencontro aconteça mais depressa. E é logo ali que surge um desabafo rápido: "Há dias em que me apetece ir para o outro lado...". O conforto vem de Lilian Silva, que lhe agarra o braço, convidando-a à conversa.
Pouco tempo depois, mais animada, mostra com orgulho as fichas de estimulação cognitiva que as técnicas lhe deixaram na última visita, agora assinadas porque reaprendeu a escrever com "100 Idade". "Fiz a quarta classe. Aos oito anos, fui servir [empregada doméstica] para Lisboa. Perdi tudo o que aprendi na escola", relata.
"Constatámos que muitos não sabiam escrever porque não assinavam a ficha de presença. Outros não saíam de casa. Agora, organizamos encontros e fazemos pequenas caminhadas", conta ao JN Tânia Ramos.
A importância dos pés
Partimos a seguir para Portela de Unhais. Uma hora de viagem para fazer 36 quilómetros de curvas para contornar íngremes encostas. Cátia Camacho uma das duas podologistas do projeto (com Hugo Mota) está a tratar um pé diabético. A saúde do pé é a área do "100 Idade" mais procurada pela população inscrita. "Os utentes sentem-se logo aliviados. A nossa saúde também está no tratamento do pé. Para eles era algo que desconheciam, nem ligavam", refere Cátia Camacho enquanto termina um tratamento aos pés com uma massagem. Fissuras, bolhas e alterações das unhas são alguns dos problemas que deteta.
O financiamento ao projeto social acaba em novembro de 2022. São 310 354 euros, dos quais 75 % comparticipados pelo Portugal 2020.