Uma cripta funerária de grandes dimensões e inúmeras sepulturas espalhadas pelo subsolo da Igreja de Santa Cruz do Castelo foram algumas das descobertas de uma equipa de arqueólogos da ERA Arqueologia que, no último ano, avançou com uma análise ao subsolo do templo onde nasceu Lisboa, recorrendo a tecnologia inovadora.
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O estudo foi apresentado esta segunda-feira, 24 de março, ao padre Edgar Clara numa visita que contou com a presença do cardeal D. Manuel Clemente.
Segundo Lucy Evangelista, uma das especialistas que acompanhou o trabalho, "usando métodos não intrusivos, como prospeção geofísica e levantamentos fotogramétricos, foi possível obter desenhos 3D e recolher informação sem escavar nada".
Desde logo, confirmou-se o que a paróquia já suspeitava: "sim, há uma cripta debaixo do chão da capela funerária". "Percebeu-se que foi usada para despejos de material de construção do século XX. Portanto, retirou-se o material suficiente para aceder à cripta e, depois, fez-se um registo arquitetónico em 3D, ou seja, um levantamento fotogramétrico. Sem mexermos em nada, encontrámos restos de tábuas de caixões e ossos dispersos", revela Lucy Evangelista, antropóloga biológica que conseguiu identificar restos mortais de homens, mulheres e crianças no local.
Debaixo da nave, altar-mor e sacristia, isto é, em toda a restante área da igreja que também foi estudada, foi possível detetar sepulturas, que serão anteriores à década de 30 do século XIX, altura em que foram criados os primeiros cemitérios públicos. "A ERA tem um departamento de Geofísica e quem domina esta tecnologia [como Tiago do Pereiro, arqueólogo que fez parte da visita], consegue recolher dados e antecipar o que está debaixo do chão sem precisar de escavar", explica Lucy Evangelista.
História quase desconhecida
"Trata-se de uma máquina georadar que anda pelo chão e emite ondas eletromagnéticas para o subsolo, recebendo resposta conforme a densidade do que está nesse subsolo", concretiza.
Quanto ao alegado túnel que haveria no templo, um corredor que estava atualmente entulhado, verificou-se que este não corresponde a qualquer acesso. Também não verificaram, nesta fase, sinais de preexistências de uma antiga mesquita que terá existido no local. "O padre Edgar tinha esperança de que se encontrassem fundações, mas isso não foi ainda possível de confirmar", constata Lucy Evangelista.
Para o pároco da Igreja de Santa Cruz do Castelo, Edgar Clara, o objetivo de chamar arqueólogos para estudar o templo, foi "ajudar a compreender não apenas o espaço, mas principalmente a história que é quase desconhecida para a maioria das pessoas".
Edificação do século XVIII
"Gosto sempre de fazer projetos que envolvam não apenas a comunidade académica, mas que possam ter projeção para a comunidade em geral. Conhecer hoje o que nos foi confiado no passado ajuda-nos a compreender a nossa cultura e o futuro desta própria igreja e desta nação. Esta foi uma das igrejas mais importantes no início da cidade de Lisboa, aquando da conquista dos Cruzados", reforça Edgar Clara, adiantando que recolheu diários de beneméritos da igreja e documentação antiga que poderão ajudar os arqueólogos a interpretar o resultado do estudo.
D. Manuel Clemente não tem dúvidas da pertinência do trabalho de arqueologia nesta antiga alcáçova. "Tudo o que nos ajude a compreender o que está debaixo do chão, com ajuda da arqueologia e outras ciências, tem a vantagem de nos fazer compreender um bom trecho da nossa história diocesana e da cidade. Sem precisar de fazer aquilo a que chamamos buracos, ajudam a andar para a frente, no sentido de verificar algumas tradições e pôr outras de parte", entende o cardeal.
A Igreja Paroquial do Castelo, também conhecida por Igreja de Santa Cruz, é uma edificação do século XVIII, ocupando a implantação do templo primitivo construído no século XII, onde existiu uma antiga mesquita. Possui um considerável acervo religioso, artístico e cultural e é detentora dos registos paroquiais mais antigos da cidade, datando o primeiro assento de casamento de 26 de setembro de 1536.