Foi em 2021. Gustavo Carona nem queria acreditar: a empresa que está a construir um prédio encostado à casa onde vive, no centro de Matosinhos, estava a demolir o muro que lhe pertence. A partir daí, o desassossego invadiu-lhe a propriedade, um reduto verde agora engolido por prédios.
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Desde ameaças físicas e insultos até à queda de uma grua que destruiu o muro e danificou a capela centenária da antiga quinta, passando por granito partido junto ao portão de entrada, o morador recorda os episódios da sua via sacra.
Em janeiro passado, Gustavo Carona deu conta que tinham caído para o exterior pedras de granito do muro, atingido pela demolição. Ao interpelar o construtor, foi-lhe dito: "Isso já está assim há um mês".
"Sabiam que tinham destruído o muro e não me disseram nada", indigna-se o morador, que, nessa altura, voltou a pedir à empresa de construção civil, a António Sá Serino, garantias por escrito sobre as condições da estrutura e fez a segunda exposição na Câmara de Matosinhos. Passou também a expor o caso publicamente no Facebook, onde é seguido por milhares de pessoas desde que se tornou um rosto do combate à pandemia, enquanto médico.
"Acima de tudo, a minha questão é a segurança. Se o muro cair e matar alguém, quem se responsabiliza? Sou eu? É o construtor? É a Câmara? Não me dão resposta a isto", questiona Gustavo, que teme que a estrutura - que ficou fragilizada e passará a confrontar, no exterior, com um corredor público pedonal de apenas metro e meio - possa vir a ruir, atingindo transeuntes.
À primeira denúncia remetida ao Município, no final de agosto de 2022, dando conta dos danos no muro, no portão de acesso à propriedade e pedindo uma vistoria, o morador recebeu como resposta, um mês depois, que o assunto "é do foro de responsabilidade civil e não compete à Câmara de Matosinhos dirimir conflitos de direito privado". No início deste ano, após detetar a queda de pedras do muro para a futura viela, para já interdita pela obra, fez nova exposição à Autarquia, alertando para o risco.
A preocupação projeta-se no futuro, uma vez que o subsolo "tem muita água", e Gustavo teme que as alterações provocadas pelas escavações possam interferir na sustentabilidade da estrutura que circunda a propriedade. "Está cheio de água aqui por debaixo. Quando abriram, parecia uma piscina", aponta outro morador, que lembra a existência de "poços de água" no terreno onde está a ser erguido o prédio.
Ao JN, a Câmara responde que "não dispõe de qualquer registo de danos provocados pela execução da obra" e que "só recentemente tomou conhecimento da participação do reclamante nas redes sociais", pelo que "não foi efetuada vistoria ao muro em causa".
A Autarquia afirma ainda que "nem o proprietário pediu qualquer vistoria ou houve lugar à sua realização por parte da Câmara". Contudo, nas duas exposições que Gustavo Carona fez, e às quais o JN teve acesso, constam os danos e, logo no primeiro requerimento, a solicitação de uma vistoria.
O JN contactou a empresa António Sá Serino, mas não obteve resposta em tempo útil.
Inspeção e petição
A Câmara de Matosinhos assegura que "no âmbito do controlo sucessivo da operação urbanística em causa foram efetuadas várias inspeções/ações de acompanhamento de obra", e adianta que, "decorrente dos últimos acontecimentos, será confirmado, nas próximas ações programadas, se são observáveis danos no referido muro".
Entretanto, além de expor o caso nas redes sociais, Gustavo Carona criou também a petição pública online "Salvar a capela de Monserrate da selva do betão". O edifício religioso secular, que integrava a antiga Quinta de Monserrate, foi atingido pela queda da grua, em outubro de 2022, e alguns danos não foram ainda reparados. Gustavo Carona pediu ao construtor um documento escrito relativo às reparações e nunca o obteve.