No Lar do Comércio, em Leça do Balio, Matosinhos, "vive-se um ambiente de terror permanente". A afirmação é de Manuela Almeida, filha de uma utente de 93 anos que denunciou às autoridades as "atrocidades" que ali acontecem todos os dias. São críticas que se juntam às que o JN noticiou em dezembro.
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"Há utentes que chegam a esperar duas a três horas na enfermaria para que lhes seja mudada a fralda suja, casas de banho imundas, ossos servidos como refeições de carne cozida, utentes que ficam esquecidos em hospitais e até casos de suicídio", contou Manuela Almeida. A filha da utente já apresentou mais de 20 reclamações por escrito no lar, mas "sem qualquer efeito prático". Também fez exposições a outras entidades, incluindo o Ministério Público.
O JN contactou José Moura, presidente da Direção de O Lar do Comércio, mas não conseguiu obter esclarecimentos.
Fonte da Procuradoria-Geral da República confirmou, ao JN, "a existência de investigações" à instituição, que correm no Departamento de Investigação e Ação Penal do Porto (DIAP). Todavia, encontrando-se o caso "em segredo de justiça, não é possível especificar" em que fase se encontra. Ainda assim, o JN sabe que já terão sido constituídos dezenas de arguidos.
Várias averiguações
O funcionamento irregular de O Lar do Comércio já tinha levado a Segurança Social a multiplicar averiguações. Foi decidida a suspensão do acordo de cooperação, o que foi confirmado por todas as instâncias judiciais. A Segurança Social não deu nota da execução desta medida.
Manuela Almeida relatou ao JN que "durante muito tempo" a mãe, "uma pessoa perfeitamente autónoma, encobriu o que se passava dentro do lar", até porque "o medo de retaliações existe". Mas estranhando algumas reações da mãe, Manuela acabou por visitar as instalações e deparar-se com "más práticas diárias".
"A minha mãe tem um problema de intestinos e opta por comer dieta, mas o que lhe davam era intragável. Uma vez, serviram-lhe ossos como duas refeições de carne cozida. E se a sobremesa é iogurte ou gelatina, os utentes têm de lamber a colher da sopa e comer com a mesma, porque há falta de material", critica.
Em dezembro, o JN já tinha publicado denúncias sobre o lar. Fernando Rodrigues, 78 anos, disse que teve de fazer um "donativo" de 50 mil euros para garantir a entrada na instituição. Além disso, queixava-se que lhe chovia no quarto há três anos, situação resolvida após a reportagem.
Agora, o utente acrescenta mais uma crítica: paga 1350 euros por mês (pela suite que divide com a mulher) e "a sopa é servida numa taça furada e que, em vez de ter ido para o lixo, foi soldada".
Muitas falhas
Num relatório elaborado pela Secção Norte da Ordem dos Enfermeiros, que visitou o lar, é descrito que "os xaropes são administrados a diferentes utentes com a mesma colher, passada por água (havendo o risco de contaminação), e há muitas camas com lençóis da Unidade Local de Saúde de Matosinhos".
Além de "janelas que não têm sistema de segurança nas enfermarias", Eva Salgado, da Ordem dos Enfermeiros, descreveu que "há apenas uma cadeira de higiene para 60 pessoas, que está remendada com fita-cola, existem dois estrados podres no chuveiro, onde facilmente acontece a disseminação de microrganismos que podem pôr em causa a saúde pública, grades de camas presas com bocados de tecido rasgado e camas que só distam um metro umas das outras".
No relatório é referida a existência de "oito enfermeiros quando, no mínimo, a instituição deveria ter o dobro" - à noite há apenas um profissional de saúde para os 300 utentes. A falta de material para fazer pensos e o facto de os idosos ficarem 15 horas sem comer, no período entre o jantar, que é servido às 19 horas, e o pequeno-almoço, às 10 horas, são outras falhas apontadas.
Ordem monitoriza lar
A Ordem condena também o facto de na área da saúde pública, onde estão alojadas 240 pessoas mais autónomas, "a medicação ser preparada à noite para as 24 horas seguintes, em tampas de garrafas, sem estar devidamente rotulada e com a identificação do utente".
Eva Salgado referiu que a Ordem dos Enfermeiros continuará a "monitorizar" o Lar do Comércio. E que toda a matéria do relatório que ultrapassou o domínio da Ordem foi encaminhada para a Segurança Social e para o DIAP.
Visita técnica e denúncia judicial
Contactado o Instituto da Segurança Social, fonte deste organismo confirmou que o relatório enviado pela Ordem dos Enfermeiros desencadeou "uma visita de acompanhamento técnico" ao lar. "Foi possível constatar que a instituição tem em curso vários procedimentos tendentes à regularização das inconformidades". Daí que "estão programadas deslocações regulares" ao lar. Já sobre as "práticas que poderão constituir eventual negligência grave na prestação de cuidados de enfermagem", frisou que a denúncia "será encaminhada ao Ministério Público".