<p>O telemóvel clama por atenção. Uma e outra vez. Um cliente perseverante do outro lado, informaria Graça Costa. Impossível ignorar, portanto. O aparelho sossega e a conversa prossegue. Abriram uma empresa têxtil? No Vale do Ave?</p>
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As duas empresárias confirmam o previsível: poucos foram aqueles que lhes pouparam o confronto com as inevitáveis reticências em forma de interrogação. "Pensamos nisso", admitem. Não seria o definhamento do sector na região lhes faria abrandar o passo, de qualquer forma. Primeiro, pensaram: "Já chega de estar em casa". Depois, agarraram nos contactos que foram cultivando nos anos de trabalho no sector e arregaçaram as mangas.
"Começamos a bater de porta em porta, a entregar cartões", conta Liliana Silva que, tal como a cunhada, Graça Costa, quis apostar num negócio na área dos acabamentos têxteis. Providencial, o projecto "Empreender no feminino", dinamizado pela Associação Comercial e Industrial de Santo Tirso, no âmbito de um programa do Governo para incentivar o empreendedorismo nas mulheres, viria pouco depois, em meados de 2009. Liliana não hesitou.
"Aprendemos tudo. Para mim, a parte da contabilidade foi a mais interessante, além das questões ligadas à gestão, letras de bancos e apoios à contratação". Graça também não se arrepende. Começaram a labuta "há meio ano" e estão "animadas". "Temos muitos clientes e nunca tivemos falta de trabalho. O único problema é o dos atrasos nos pagamentos", apontam.
"Temos trabalho"
Entreajudam-se no trabalho e dividem o espaço, arrendado frente ao restaurante Hippopotamus, no lugar da Cidade Nova, na Trofa, para suportarem melhor as despesas. Trabalham ao sábado e têm encomendas para exportação. "Temos trabalho", regozija-se Liliana, que, aos 31 anos e descendência multiplicada por dois, já somava 72 meses consecutivos no desemprego, com inscrição na Trofa, onde mora. "Era muito raro aparecer uma entrevista", diz. "Chamaram-me para vir ao centro de emprego de Santo Tirso e falaram-me no curso. Achei interessante", recorda.
Já Gracinda, de 41 anos e sem emprego há cerca de quatro meses, trocou o negócio de "arroz e massa" por um ateliê de costura e engomadoria graças ao incentivo da formação. Inaugurou no passado sábado, com uma sócia, a "Bella Donna", uma loja de vestidos de noiva e cerimónia perto da Igreja Nova da Trofa. Trabalhou sempre no supermercado do pai, até que a crise fez mingar os lucros. "Inscrevi-me no centro de emprego, mas não estava com muita vontade de trabalhar para outros, porque não estava habituada. Achei o curso interessante, mas pensava 'o que vou fazer?'". Gracinda descobriu, entretanto, que a amiga, uma modista que trabalhava em casa, também queria abrir um negócio. Agora, está "optimista", garante.
Como Graça, cujos dois filhos dividem, agora, o tempo da mãe com a empresa, depois de nove anos de atenção permanente, mercê de um longo desemprego. Tem 38 anos e começou numa fábrica têxtil. Ficou com o 6.º ano de escolaridade. Queria ir mais além, mas "não pôde ser" porque os irmãos (e as dificuldades) eram muitas. Liliana ficou-se pelo 12º ano por opção. Juntas, propõem-se, agora, provar que a indústria têxtil, há muito decretada moribunda, ainda mexe.