Os trabalhadores da fábrica de calçado Sioux Portuguesa, em Boim, Lousada, estão em vigília à porta da empresa e prometem não arredar pé até terem respostas.
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Depois de estarem alguns dias sem trabalhar por falta de encomendas, os responsáveis pela unidade não os deixaram entrar, esta segunda-feira, nas instalações, alegando os mesmos motivos. Os 150 funcionários, maioritariamente de Lousada e Paredes, têm os ordenados em dia, mas temem a insolvência e a possível perda dos postos de trabalho. Há casos de casais a trabalhar na empresa e de pessoas sem outro meio de sustento.
Queixam-se, sobretudo, da "incerteza" em que os deixaram. Com a ajuda da Autoridade para as Condições do Trabalho (ACT) e de um sindicato, conseguiram um documento autenticado pela empresa que diz que "declara que por falta de encomendas os trabalhadores estão autorizados a permanecer em casa até ordens contrárias, mantendo o vínculo laboral e a remuneração". À Autarquia, a empresa confirmou que ia avançar com o processo de insolvência.
O JN tentou contactar a empresa, mas sem sucesso.
Ficaram à porta
Os funcionários prometem revezar-se e não sair da porta da empresa. Querem respostas e temem até a retirada das máquinas. Esta noite alguns funcionários iam já manter-se em vigília.
"Não sabemos se a fábrica foi vendida ou se foi à falência", queixava-se Paulo Santos, um dos funcionários que ia ficar neste "primeiro turno".
Tiago Barbosa relata o que aconteceu nos últimos dias. "Estivemos em casa três semanas e quando chegamos cá na segunda-feira passada tínhamos um aviso na porta a dizer que devíamos continuar em casa por falta de encomendas", conta. Na sexta-feira os trabalhadores receberam o ordenado - não têm pagamentos em atraso -, mas ficaram alarmados quando souberam que a empresa estava a retirar todo os letreiros identificativos da marca do edifício.
"Isso começou a alarmar e viemos todos para aqui", descreve o funcionário. "Os responsáveis de cá disseram que estavam a cumprir ordens da Alemanha e que ainda não sabiam ao certo o que ia acontecer, mas que a empresa podia entrar em processo de insolvência", relata ainda.
Os funcionários voltaram-se a apresentar na empresa esta manhã, pelas 8 horas. Mas ficaram à porta. Entretanto estiveram no local um sindicato do setor e a ACT que os terão aconselhado a não deixar as instalações "sem um documento" justificativo da empresa. Os responsáveis acabaram por entregar um a cada trabalhador, prometendo manter o vínculo contratual e a remuneração.
Ainda assim, os funcionários estão com receios. "Temos medo pela incerteza. Há aqui jovens de 30 e poucos anos e outras pessoas de 50. Há marido e mulher a trabalhar aqui e gente que trabalha aqui há 33 anos. E a fábrica não nos diz nada. Queríamos que alguém viesse ter connosco a dar-nos alguma garantia", sustenta Cristina Ribeiro, que trabalha há 14 anos na empresa.
"Se fossem fazer tudo direito não retiravam os símbolos e diziam que era para salvaguardar a marca", critica Luís Fernandes, que é funcionário há sete anos.
Por isso, os trabalhadores prometem ficar à porta até lhes darem certezas, até para evitar qualquer retirada de material. "Até nos darem os papéis para o fundo desemprego ou algumas garantias", afirma Cristina Ribeiro.
Três casos
A Sioux Portuguesa empresa cerca de 150 pessoas. No ano passado já cerca de 40 tinham sido despedidos num processo de redução de pessoal. Mas por mútuo acordo e com o pagamento de todos os direitos, salientam os trabalhadores. Há 11 anos terá havido um outro despedimento de cerca de 70 pessoas.
Maria do Céu Silva trabalha na empresa há 32 anos e assistiu a todos esses momentos. Agora, a mulher de 53 anos, de Lousada, teme pelo futuro. "Sou viúva e ainda não tenho nenhuma pensão e tenho uma filha menor a estudar. Só vivemos do meu ordenado. Estou assustada com esta incerteza. Já ando a tomar antidepressivos e isto ainda me deixa pior", lamenta.
Também Liliana Ribeiro, de 38 anos, depende deste ordenado. "Tenho duas filhas a estudar e uma está na faculdade. Moro sozinha e elas dependem de mim e do meu ordenado. Pago 250 euros de renda e estou com medo do futuro. Se não receber no próximo mês passo fome e não consigo manter a minha filha na faculdade", acredita a mulher de Paredes.
"Estamos aqui à porta à espera de respostas. Não podemos baixar os braços. Há algum tempo que isto se ia arrastando com problemas de encomendas, mas não estávamos à espera de que fossem agir desta forma. Até agora tinham sido sempre corretos. Ficar à porta sem uma palavra é humilhante", garante a trabalhadora. "Se não querem dar-nos trabalho ao menos que nos deem os direitos e nos deixem ir em frente", desafia.
Elvira Cunha, de 53 anos, mora com a filha e é o sustento da casa. "A situação aqui começou porque era pessoal a mais para o trabalho que tínhamos. Mas eles se calhar não queriam mandar ninguém para casa a esperar que viesse mais trabalho ou para não nos indemnizar", admite a mulher de Lousada. Ainda houve semanas com algum trabalho, mas depois o ritmo abrandava logo, refere. No ano passado, frisa, houve despedimentos, mas "com tudo direitinho". "E nós até hoje não tivemos a mínima queixa. Houve só um atraso de dias no pagamento em setembro", comenta. "Sempre foi uma empresa que pagava como o sol. E regalias como havia nesta fábrica não voltamos a ter. Ainda pensávamos que podia fechar, mas nunca desta maneira", lamenta.
Autarquia acompanha o caso
A vereadora da Ação Social e da Indústria e Emprego da Câmara de Lousada esteve hoje no local. Cristina Moreira adianta que o município está a acompanhar a situação e a garantir que os trabalhadores estão bem encaminhados para as devidas entidades. "Fomos perceber se havia necessidade de algum apoio imediato, mas as coisas estão controladas", disse.
À autarca, a empresa confirmou que ia dar entrada no processo de insolvência. "Mas está tudo em aberto. Pode haver negociações ou interessados em comprar. As coisas são muito precoces ainda. Já oferecemos a nossa ajuda à empresa para negociações com potenciais compradores. O próprio mercado, caso aconteça o pior, pode absorver parte destes funcionários", acredita.