"Tradição de uma beleza sem igual": tapetes de flores cobrem Vila do Conde
Três quilómetros de ruas de Vila do Conde cobriram-se de tapetes de flores para a festa do Corpo de Deus. Milhares invadiram a cidade para ver.
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“Lindo! Lindo! Lindo!”, sentencia Salete Pereira, sem conseguir parar de olhar para o rendilhado de flores que cobre o chão da rua da Igreja, ali mesmo em frente à Igreja Matriz. Já tinha “ouvido falar” dos tapetes de flores de Vila do Conde. Este ano, aproveitou o fim de semana para vir ver. Na “estreia”, ficou rendida à secular tradição. Como que por magia, numa noite, três quilómetros de ruas do centro histórico cobriram-se de tapetes de flores feitos pelos moradores. Quem os faz, não esconde o orgulho. A tradição tem mais de 500 anos e desperta, agora, a cada quatro anos, o verdadeiro espírito de comunidade.
“Veio tanta gente ajudar! É tão reconfortante!”, atira Maria de Lurdes Fraga, que, aos 83 anos, andou ali “de rabo para o ar” até às 5.30 horas da madrugada. Depois, tomou um banho, dormiu um par de horas e voltou para a rua para assistir ao corrupio de gente que, desde as primeiras horas da manhã, não pára de chegar à cidade. Maria de Lurdes é a responsável pelo grupo que faz o tapete da rua da Igreja (sul). De quatro em quatro anos, junta filhos, genro, nora, netos e muitos amigos para ajudar. Há quem venha de propósito dos Açores para dar corpo à tradição.
A rua da Igreja (sul) é uma das 13 comissões de moradores que dão corpo aos tapetes. O trabalho começa dois meses antes. Faz-se o desenho, idealizam-se os remates, dá-se corpo à forma. Depois, três semanas antes do Corpo de Deus, começam as idas aos campos em busca de flores e as desfolhadas. São dias e dias a desfolhar, em serões animados, pétala por pétala, pampilos, granjas, rosas, cravos e gerbérias. Juntam-se os verdes – o funcho, o bucho e o cedro. Conserva-se tudo estendido no chão ou guardado em arcas frigoríficas.
Na véspera do Corpo de Deus, o trabalho começa às 22 horas. Só acaba ao nascer do dia. Os tapetes têm quase sempre formas geométricas ou desenhos de flores gigantes que se repetem. Depois, nos remates, há temas religiosos, desejos de paz e alusões a Vila do Conde ou a monumentos da terra. O segredo só nesse dia se revela.
“É uma tradição de uma beleza sem igual! É tudo feito em flores!”, afirma Conceição Pereira. Veio de Barcelos de propósito para ver, num ritual que repete, a cada quatro anos, há mais de três décadas. Observa cada pormenor. Ela e milhares que, em filinha indiana, vão apreciando o trabalho e tirando fotografias às “verdadeiras obras de arte”.
Conceição já deu a volta à cidade. “São muitas, muitas horas de trabalho. Estão todos lindos”, conclui, sem conseguir eleger um favorito.
Às 17.30 horas, a procissão saiu à rua. Os tapetes só voltam, agora, em 2029. Maria de Lurdes Fraga, tal com tantos outros que ali trabalharam horas a fio, está cansada, mas os elogios de quem vê fazem esquecer tudo. Está feliz e muito orgulhosa. Afinal, faz “tudo por amor”.