Estes animais, com mil quilos cada um, ainda são ensinados a puxar um carro de bois.
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Dois anos depois, a Festa do Agricultor de Fermentões, uma freguesia às portas de Guimarães, voltou a realizar-se. Na manhã deste sábado, fez-se o Concurso de Gado e a tradicional bênção dos animais. Apesar das dificuldades provocadas pelo preço das rações e dos combustíveis, os criadores insistem em perpetuar esta tradição.
Numa terra dividida entre o trabalho na agricultura e na indústria têxtil, o Concurso de Gado ocupa um lugar especial no programa festivo. Este ano, foram postos à apreciação do júri mais de cem animais, nas diferentes categorias, das duas raças autóctones, barrosã e a minhota.
António Martins Castro, lavrador de São Lourenço de Selho, viu a sua junta de bois castrados, de raça barrosã, receber o primeiro prémio. "Estes animais ainda sabem lavrar, ainda são capazes de puxar um carro, ainda sabem trabalhar, como se vai poder ver no cortejo, amanhã", afirma o criador. "Já não precisam de trabalhar muito porque os tratores agora fazem tudo, mas têm de ir fazendo alguma coisa para não se desabituarem e aceitarem o jugo", esclarece.
As parelhas de bois apresentam-se com o tradicional jugo minhoto, uma peça de madeira trabalhada, com rendilhados esculpidos, usada para unir os dois animais e para os atrelar ao carro ou ao arado. Num concurso como este, os lavradores procuram apresentar os melhores exemplares, alguns são verdadeiras obras de arte, com quase cem anos.
BOIS MAQUILHADOS
O pelo e os cornos dos animais também são alvo de cuidados especiais. Jorginho não tem mais de 12 anos, contudo, maneia-se com destreza entre os enormes bois barrosões. Numa mão tem um frasco de tinta vermelha e na outra uma escova e vai aspergindo o dorso dos animais enquanto os penteia. "É como a maquilhagem nas mulheres, é para ficarem mais bonitas", esclarece António Castro com um sorriso. "Nos cornos deita-se azeite puro, para ficarem mais brilhantes", acrescenta o lavrador, enquanto conduz os animais para a sombra. "O sol faz-lhes mal, é como a nós, se andarmos muito ao sol ficamos com a pele velha. Estes passam a vida na corte, são alimentados a ração. Saem para os concursos e para trabalhar um bocadinho".
Carlos Salgado, membro da Comissão de Festas de Fermentões, criador de gado e jurado deste e de vários concursos, diz que a qualidade dos animais tem vindo a decrescer nos últimos anos. "Tem que ver com as dificuldades que os agricultores enfrentam, nomeadamente o preço das rações", declara. "Hoje o nosso concurso correu muito bem e podemos dar-nos por felizes, mas esta atividade está em risco, porque, com o preço dos combustíveis a subir, os transportes são cada vez mais caros e os agricultores vão desistindo", afirma.
TER ANIMAIS POR GOSTO
António Castro alinha pelo mesmo discurso. "Os prémios andam pelos 100, no máximo 160 euros. Quando ficamos aqui por perto, como hoje, é um valor interessante, mas quando vamos para longe, para Montalegre, Ponte de Lima, dá para a merenda e pouco fica", queixa-se. "Ter estes animais hoje em dia é um gosto. Tenho mais quatro em casa. Estes fazem seis anos agora em outubro e talvez se aguentem até aos oito anos a fazer concursos, depois é preciso ter outros para o lugar deles", explica.
António Castro confessa que já lhe ofereceram 10 mil euros pela junta campeã, mas para já não estão à venda. Quando o momento da reforma chegar, é provável que acabem na mesa de algum restaurante espanhol. "Os espanhóis pagam melhor e gostam do nosso gado bem cevado", indica. Cada um dos bois campeões pesa 1000 quilos, mas, quando terminarem os seus dias nos concursos, "vão para a corte com ração especial, para ganharem mais uns quilos". É neste momento que o criador faz algum dinheiro para compensar quase uma década de dedicação ao animal, "o dinheiro dos concursos é apenas para ir andando".
Alguns destes animais, nomeadamente as juntas, estarão amanhã no Cortejo Etnográfico que sai da cidade de Guimarães, junto ao quartel dos Bombeiros Voluntários, pelas 16 horas, e percorre as ruas até ao centro da freguesia de Fermentões.