Cecília, que fazia tapetes, trabalha no barco do marido à noite, em Viana, para levar Tiago e Renato à fisioterapia e a consultas durante o dia.
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Cecília Abreu, de 36 anos, mãe de Tiago e Renato, com 17 e 12, resiste estoicamente aos enjoos que a fazem vomitar cada vez que vai pescar há quatro anos. As vicissitudes da vida no mar não são impedimento para exercer o ofício ao lado do marido, Ricardo Carneiro, pescador e dono de uma embarcação. Pelo contrário. A ajuda na pesca ao polvo à noite tornou-se uma "situação ideal" para a vida do casal, que reside em Castelo de Neiva, Viana do Castelo.
Durante o dia, enquanto Ricardo, de 40 anos, trata dos assuntos relacionados com a atividade do mar, a mulher trata da casa e apoia os dois filhos menores, ambos com paralisia cerebral, nas idas à fisioterapia e consultas recorrentes. Cecília diz que escolheu o mar, para onde saem às 3 da manhã e regressam às 10, "a pensar nas crianças".
"É mais fácil. Chegamos a casa, tomamos banho e começa a lida. Dá para ir com os meninos à fisioterapia e às consultas", afirma Cecília, lembrando que durante sete anos trabalhou em casa como tecedeira, o mesmo ofício da mãe, a fazer tapetes de trapo para uma empresa têxtil local. Conta que a pesca, além de facilitar a dinâmica familiar devido ao horário noturno, "dá mais dinheiro que o tear".
"Ganha-se mais na pesca"
"O trabalho em casa é mal pago, mas ganhava conforme os tapetes que fazia. Já no mar é diferente, ganha-se mais e são dois a trabalhar para a mesma casa", comenta, referindo que também foi a falta de mão de obra na pesca que a empurrou para a vida de pescadora.
"Hoje em dia, é difícil arranjar tripulantes e eu e o meu marido falávamos sempre disso. Por instinto, decidi experimentar. Em quatro dias adaptei-me muito bem", recorda. "No primeiro dia fomos eu, o meu marido e o tripulante dele. Enjoei, vomitei, mas nunca pensei desistir. Ao quarto dia, o tripulante foi para outro barco e eu fiquei a fazer o trabalho dele". Não olha para o ofício de tecedeira com saudade. "Gosto mais de pescar, nem há comparação", responde célere. "No mar, a única coisa que me assusta mais é o nevoeiro. Há dias em que dentro do barco não vejo o meu marido", conta. Cecília e Ricardo, casados na vida e na profissão, foram surpreendidos pela doença comum que atingiu os dois filhos e que "ainda está a ser alvo de estudo genético". O "atrofio muscular" manifestou-se no mais velho quando tinha 10 anos. "Afeta-lhe as pernas e as mãos. O Tiago fez fisioterapia durante 10 anos. Parou agora um bocado, porque vai fazer 18 anos e está cansado", diz Cecília.
A seguir aconteceu o mesmo a Renato. "Quando entrou para a escola, começaram-se a aperceber de que ele andava em bicos de pés, como uma bailarina. Descobriu-se que era o mesmo problema". Revela, por exemplo, que só começaram a apertar os cordões dos sapatos com 12 anos.
Segundo Ricardo, as pescarias a dois na embarcação "Tita", pintada de branco e vermelho, e decorada com o emblema do Benfica, que herdou do pai, são a forma "ideal" de organizar a vida. "Em terra, ela ocupa-se das coisas da casa e eu das coisas do mar. Ficou assim estipulado". Isso e a sesta em conjunto "após o almoço".