Muito turismo náutico, o suor de quatro gerações e dedicação são os três fatores essenciais à sobrevivência do único estaleiro de construção de barcos rabelos do país.
Corpo do artigo
Situado na margem ribeirinha de Gaia, o estaleiro da Socrenaval mantém viva uma indústria única e uma profissão em vias de extinção: a carpintaria naval. A Câmara de Gaia considera-o parte do património do concelho e está a preparar a candidatura a Património Mundial.
O boom turístico aumentou significativamente o volume de trabalho do estaleiro, que nos anos 1980 esteve em vias de desaparecer. Nas duas últimas décadas, construíram mais de uma dúzia de embarcações. Já antes tinham feito o primeiro barco rabelo adaptado ao turismo. Para reparar, passam por lá, todos os anos, cerca de 50 barcos. "O turismo é muito importante para o nosso trabalho e não podemos aceitar mais embarcações porque as de turismo consomem-nos o tempo todo", confessa António Sousa, proprietário da Socrenaval. Mas manter o estaleiro vivo é, acima de tudo, "uma questão de paixão".
Negócio de família
"Ou vinha para cá ou isto desaparecia", assume António, que há 20 anos deixou a multinacional onde trabalhava para levar a bom porto a empresa de família.
O estaleiro foi montado pelo seu bisavô, algures entre o que agora é o aglomerado de bares no Cais de Gaia. Há cerca de 70 anos foi transferido uns metros para diante, junto ao Largo da Cruz, onde se mantém hoje. "Chegámos a ter dezenas e dezenas de funcionários", diz António. Agora, restam oito. "Há falta de profissionais especializados", lamenta. Tem feito todos os esforços para trazer para o estaleiro novos aprendizes, mas "os mais jovens não querem aprender estas profissões".
Os irmãos Lopes começaram a trabalhar aos 14 anos nos estaleiros de Leixões, que pertenciam ao pai de António. Deixaram a escola ainda miúdos e aprenderam a profissão há mais de três décadas. Não sabem fazer outra coisa, diz Vítor, de 43 anos. "O turismo trouxe mais trabalho e temo-lo quase todo o ano", sublinha o irmão mais velho, João.
Mas o gosto pelos barcos pode surgir a qualquer altura. Testemunha disso é Carlos Oliveira. Há sete anos um amigo falou-lhe do trabalho no estaleiro e foi amor à primeira vista. Agora com 43, deixou para trás o negócio dos móveis e dedica-se à carpintaria naval. "Aqui não falta trabalho. Temos evoluído muito", afirma Carlos.
Classificação
António sonha com a classificação do estaleiro como Património Mundial. A candidatura tem vindo a ser apoiada pela Câmara: "Estão a decorrer reuniões com equipas especializadas para a sua submissão".
O estaleiro é "verdadeiramente único" . É preciso que "se mantenha requalificado por fazer parte do nosso património, da nossa identidade e da nossa imagem enquanto cidade. Representa um ligação secular à história do vinho, sendo uma espécie de "museu vivo"", diz a Câmara.