A centenária Roldes está a leilão depois de, em março do ano passado, um banco, alguns fornecedores e dois sócios terem pedido a insolvência da empresa.
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A última fábrica de uma indústria de longa tradição em Guimarães encerrou, dois meses depois de fazer 100 anos. A fábrica de curtumes Roldes, situada nas margens do rio Selho, em Fermentões, à entrada da cidade, junto à estrada que liga a Braga, deixou cerca de trinta pessoas sem emprego, mas com a maioria dos direitos salariais em dia. A empresa já tinha escapado a uma situação de quase falência quando, em 1986, foi salva pela entrada no capital da (então) gigante do calçado Campeão Português.
As dívidas que constam da relação de credores da Roldes parecem de pequena monta, tendo em conta o que é habitual nas situações de insolvência de grandes empresas dos setores do calçado ou até do têxtil no Vale do Ave. O BCP, um dos maiores credores, reclama 136 mil euros a uma empresa que tinha um volume de negócios anual a rondar os dois milhões.
Um funcionário, com 34 anos de casa, falou com o JN e reconheceu que “os salários estavam em dia”, ressalvando que “ficaram por pagar férias, subsídios de férias, proporcionais destes dois e indemnizações por cessação dos contratos de trabalho”. O mesmo empregado vê no processo de insolvência um reconhecimento da gerência que não era capaz de continuar e “uma tentativa de fechar enquanto era possível liquidar tudo, pagar aos credores e não ficar a dever nada”.
Segundo este trabalhador, a empresa atravessou uma primeira crise, em meados da década de 80 e “teria encerrado, se não fosse a Campeão Português ter adquirido a quase totalidade do capital”. Nos anos seguintes, com dinheiro fresco, “compraram-se novas máquinas e colocou-se uma nova caldeira”. Embora a produção para a Campeão Português fosse prioritária, a Roldes sempre vendeu peles para outros fabricantes de calçado.
Fecho repentino
“Fomos surpreendidos quando, a 20 de novembro do ano passado, um dos administradores nos disse que só íamos trabalhar até ao fim do mês”, revela um dos antigos empregados, na casa dos cinquenta anos como a maioria, agora a lutar para encontrar um novo emprego. “A empresa nunca mais foi a mesma, depois de passar do senhor Augusto para os filhos”, refere.
Augusto Ribeiro era filho de um dos fundadores que, em 1923, decidiram implantar a fábrica junto ao Selho, não só pela necessidade de água para o processo de curtimenta, mas também para usarem a força do rio para eletrificarem a produção. A família readiquiriu o controle da empresa depois de, em 2014, a Campeão Português também entrar em processo de insolvência. Nos últimos anos, a gestão esteve entregue a Joaquim Manuel Ribeiro e, após a reforma deste, a Pedro Ribeiro, neto do fundador, que agora também se apresenta como credor.
“Havia saída para o produto, a prova é que não conseguiram fechar em novembro e tivemos que laborar até março, porque dois dos maiores clientes quase o exigiram. Eles foram surpreendidos e não tinham alternativas”, conta um funcionário. Depois de decretada a insolvência, o edifício da fábrica Roldes e o seu recheio estão a leilão, até 23 de setembro, por um valor base de 2,2 milhões de euros.
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Património industrial
Neste processo desconhece-se o que irá acontecer ao “canudo” (chaminé industrial em tijolo burro) da Roldes. Em 2018, a Câmara Municipal de Guimarães, depois de indeferir a demolição da estrutura que, segundo a empresa, estava em risco de ruína, assumiu o compromisso de fazer a recuperação, avaliada em 50 mil euros, mediante a cedência do direito de superfície por 70 anos. A obra, contudo, nunca chegou a avançar e o município não foi capaz de responder ao JN sobre o estado do processo, em virtude dos técnicos responsáveis estarem ausentes.
UNESCO reconhece Couros
A última fábrica que se dedicava ao tratamento de peles no concelho de Guimarães está a leilão, no momento em que se celebra um ano sobre o reconhecimento da zona de Couros como Património da Humanidade pela UNESCO. Para esta distinção muito contribuíram os vestígios materiais de uma indústria de curtimenta com raízes que alguns historiadores situam na Idade Média e que começou a desaparecer em meados do século XX.