Cordão realiza-se todas as terças-feiras num espaço cultural de Braga e está aberto a doentes oncológicos, cuidadores e amigos ou familiares.
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Todas as terças-feiras ao final da tarde, nos corredores do espaço cultural bracarense Gnration, ecoa-se um misto de risos, sons animalescos, conversas cruzadas e muitas e variadas cantorias. Algures ouve-se o que, mais tarde, percebe-se ser um hino: “Tempo de esperar, não largar a mão/ É resiliência, gratidão/ Como despertar a transformação/ Tempo de coragem, ser Cordão”. Este cordão une doentes oncológicos e cuidadores, mas quem por cá aparecer não entende que o cancro é o denominador comum.
“Não estamos aqui para falar sobre a doença, estamos para cantar, conviver e ter conversas banais ou profundas”, dando um momento de normalidade a pessoas que vêm a vida condicionada pela doença, começa por explicar Sara Borges, responsável pelo projeto. Este é um lugar de liberdade. “Podemos falar sobre a doença, mas não é o foco, o que queremos é dar espaço para as pessoas estarem e agirem como se sentirem confortáveis”.
Podem ensaiar sentadas, de pé, deitadas, integradas na roda ou fora dela. Para Lurdes Costa, doente oncológica em tratamento de quimioterapia oral, sublinha a liberdade como fundamental. “No início tinha receio por nunca ter cantado, mas toda a dinâmica deixa-nos confortáveis".
Médicos recomendam
Tal como a maioria dos participantes, a bracarense recebeu a indicação deste grupo através da médica que a acompanha no serviço de oncologia. Veio no segundo ensaio do projeto e nunca mais faltou. “No dia do coro, acordo com mais alegria e motivação”. E esta boa-disposição tem impacte na sua cura, acredita: “Se não participasse nestas atividades, não estaria aqui ou pelo menos, não com a força que estou”.
O Cordão – Coro de Doentes e Amigos Oncológicos é um grupo comunitário composto por pessoas diagnosticadas com cancro, em tratamento ou remissão, e por cuidadores. Estreou-se em janeiro, parte do programa PARTIS & Art for Change, e conta com o apoio da Unidade de Saúde Local de Braga e da Liga Portuguesa Contra o Cancro.
Ricardo Baptista, fundador da Onda Amarela, é responsável pela direção artística do que aqui, semana após semana, se constrói. “O relevante não é a experiência ou qualidade musical das pessoas, porque já partimos do pressuposto que a música criada e apresentada aqui é única.” Quem vem à procura de rigor técnico, não o encontrará. “Mas encontrará muitas outras caraterísticas fortes.”
Dos netos aos avós
Aqui, todas as terças-feiras, há um grupo variado de pessoas – crianças, jovens, adultos, seniores, homens, mulheres – que se juntam, em roda, para cantar e criar música. Margarida Costa é um dos exemplos de diversidade. Com 24 anos, diagnosticada com cancro no estômago, entende que “pela idade e por não ter perdido o cabelo, muita gente duvida” que esteja realmente a passar pela doença. “Aqui não há tantas perguntas impertinentes”.
Começou as aulas acompanha pela mãe, que também já teve cancro. E a partilha com familiares é essencial. No Cordão, há uma avó que leva as duas netas para lhe fazer companhia. As pequenas estão visivelmente integradas e divertidas até porque, a certa altura, uma chega-se ao ouvido da anciã e diz “estou a gostar muito, quero vir mais vezes”.
Pelos bons comentários que recebem, “não é difícil acreditar que faz a diferença na vida das pessoas”, afirma Ricardo Baptista. Mas o diretor artístico fica contente que não haja o peso clínico, “é importante fazer coisas que não servem para nada e achamos que assim é que servem para alguma coisa”.
Financiamento
O Cordão – Coro de Doentes e Amigos Oncológicos integra o projeto PARTIS & Art for Change, uma iniciativa conjunta da Fundação Calouste Gulbenkian e da Fundação “la Caixa”. Foi em 2020 que as duas entidades uniram dois projetos separados semelhantes e criaram este “chapéu” que tem como objetivo fomentar “o papel cívico da arte e da cultura participativas enquanto impulsionadoras de mudança e de transformação social”. Nesta terceira edição à qual participaram os projetos que agora decorrem, foram selecionadas 15 ideias, financiadas em cerca de 30 mil euros cada. Este valor foi atribuído para o desenvolvimento do “ano piloto”, atualmente a acontecer, em 2025. Destes 15 apoiados, no final, 10 serão selecionados para continuarem a receber financiamento por mais dois anos. Esta é a esperança do Cordão, que espera, conta Sara Borges, responsável pelo projeto, ser um dos selecionados para se manter ativo.