
David Tiago / Global Imagens
Ramal da Alfândega atrai cada vez mais pessoas em busca de sítios para caminhadas. A Escarpa das Fontainhas encanta visitantes.
Os portuenses descobriram um local alternativo para os seus passeios higiénicos em tempo de pandemia, fugindo dos locais de maior concentração de pessoas e onde contactam com a natureza em estado quase selvagem, indo ao encontro do desconhecido. Trata-se do antigo corredor ferroviário do Ramal da Alfândega, que mesmo sem estar transformado em ciclovia já atrai atenções.
Há uma semana foram dezenas as pessoas que circularam pelo local. A paisagem é deslumbrante, após se aceder por estreitas escadas a partir da marginal, a Avenida Gustavo Eiffel. Ana Moreira e Hugo Esteves fazem o percurso habitualmente. Entram no ramal junto à Quinta da China e vão até à boca do túnel maior que está fechado.
"É diferente da marginal. Não há carros a circular e também não é um lugar para se andar a correr. É para se desfrutar de toda esta escarpa, cheia de vegetação, das plantas, flores e, claro, desta vista", diz Ana, lançando o olhar sobre o rio Douro. A água corre barrenta sob as pontes. "É um verdadeiro bilhete postal", acrescenta Hugo. Sky, o cão do casal, corre à descoberta, por entre as ruínas de antigas habitações ou unidades industriais em ruínas.
Das Fontainhas à avenida marginal
"Andar por aqui dá-nos paz e este é um passeio que apela aos sentidos", acrescenta Ana. "Pena é haver tanto lixo", conta, um pouco mais à frente, uma estudante estrangeira que há dois anos descobriu o local. O passeio é uma espécie de circuito, entre o Miradouro/Alameda das Fontainhas e a marginal, com o ramal pelo meio e a Bananeira, uma horta comunitária de espírito livre e espontâneo situada nos socalcos da escarpa. Uma aluna da vizinha Faculdade de Belas Artes está a plantar morangos num projeto onde "todos são bem-vindos e onde ninguém manda".
Exercício físico e banhos de sol
Na Alameda descontrai-se. Apanham-se banhos de um sol ainda morno e faz-se exercício físico. "A atividade física regular é um dos fatores que contribuíram mais positivamente para a saúde mental. Neste contexto específico, em que somos convidados a estar em confinamento, a saída para o ar livre durante curtos períodos ainda tem uma importância mais fundamental", explica Pedro Morgado, psiquiatra e professor da Universidade do Minho.
Camilo Moutinho e Gil Torres são de Gondomar e acederam às Fontainhas de bicicleta pela íngreme Calçada das Carquejeiras. "Foi doloroso e agora temos de descansar. Era bom que se avançasse com o projeto da ciclovia no ramal", considera Camilo. No corredor verde as pessoas concordam. "O piso aqui é instável. Mas a pé vamos colhendo umas flores silvestres e conversando, o que também é bom", acrescenta Ana Moreira.
Conhecer espaços próximos de casa
"A pandemia deu-nos a oportunidade de vivermos de uma forma diferente alguns espaços próximos das nossas casas e que não tínhamos explorado devidamente. Aconteceu-me isso mesmo aqui em Braga. Descobri alguns locais fantásticos nas imediações da minha casa. Penso que devemos transportar para o futuro alguns dos hábitos que a pandemia nos forçou a adotar, nomeadamente um maior usufruto da natureza e das atividades ao ar livre por contraponto com os domingos passados no interior dos shoppings. A nossa saúde agradece", defende Pedro Morgado.
E é isso mesmo o que está a acontecer com muitos portuenses que, impedidos de sair do concelho, estão a descobrir novas zonas verdes ou então que há muito não frequentavam. Como António Rodrigues, que esteve emigrado durante muito tempo e que agora, aos 59 anos, percorre diariamente o ramal onde muitas vezes brincou em criança. Caminhadas sobre o Douro "que beneficiam o bem-estar físico e mental".
Dados
Projeto da ciclovia
No ano passado, a Câmara do Porto aprovou a construção de uma ciclovia no ramal ferroviário da Alfândega. Um grupo de cidadãos defende ferrovia e contesta uma solução de ciclovia provisória. O debate público sobre o projeto está atrasado.
Horta comunitária
A Bananeira é uma horta comunitária de espírito livre e espontâneo situada nas escarpas das Fontainhas.
Palco do S. João
A Alameda das Fontainhas é conhecida por ser um dos grandes palcos do S. João do Porto com a cascata, o baile, os pavilhões de comes e bebes e os carrosséis.
