Phil está na rampa de acesso à sua casa, a cara transpira aflição e ele leva e tira o telemóvel da orelha e põe um ar de desolação - ninguém atende, ou se atendem não lhe dizem o que quer ouvir, que é que os bombeiros já ali vão.
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Anda para um lado e para outro da EN 124, é o exato km 11, a estrada que liga Monchique a Silves está cortada pela GNR aos civis, só passam carros de combate, jornalistas e moradores, mas estes têm de insistir para passar. Ele sua ali ao sol, não tanto do calor, ainda que estejam agora, 3 da tarde, 34 graus, uma melhoria substantiva porque há dois dias estavam a esta hora algarvia 44 graus e uma sensação térmica superior, mas ele aflige-se por causa da sua Casa Verde que fica no altinho de um morro e se anuncia numa placa branca rodeada de catos bem tratados, uma casa bungalow de madeira.
O que é que Phil, que é irlandês do Norte e que mora ali, no Falacho, com a mulher e um cão há três anos, o que é que ele vê? Uma coluna de fumo branco sujo do lado de lá da estrada que se levanta, e outra, mais alta, mais larga, muito mais espessa de castanho-negro que vem, do outro lado, a rugir. Num ápice, essa coluna animosa vai transformar-se num ousado rubro-vivo-alaranjado, cheia de línguas levantadas a brilhar. O som é aquele crepitar característico do eucalipto e do pinheiro a cracar em estalos, a arder. E Phil espera desesperançado.
"O fogo chegou há minutos, foi agora, mas já é muito forte e traz os dedos no ar", diz ele muito rápido em inglês. E depois explica, a falar de mãos no ar, que desde domingo já saiu e voltou a casa cinco vezes, retirados ele, o cão e a mulher, sempre com alarme de fumo mas de fogo que não se concretizou. Até agora.
A virada do vento milagrou
"Temos os terrenos limpos à volta da casa, limpamos sempre antes do verão, mas por trás, ali na serra, está cheio-cheio de eucaliptos. É calamitoso, é criminoso, é a árvore mais combustível que há! E a minha casa - repete-se ele a lamentar - é toda feita de madeira, vamos arder". E uns minutos depois, com as labaredas a urrar, Phil mete-se no jipe e sai dali sem mais nada dizer, antes de qualquer bombeiro chegar.
Uns 15 minutos depois, com o fogo a estalar por cima do seu bungalow, surgem dois autotanques vermelhos, um da Chamusca, outro da Golegã, que sobem a rampa e logo desenrolam rápidos, todos a falar a berrar, as mangueiras amarelas e grossas. Com isso, e com uma virada milagrosa de vento que vinha de norte a ribombar mas que acaba por ir para sueste e virar, "a casinha salvou-se, está impecável, está toda de pé".
São agora 4 e tal da tarde, já chegou mais um carro de comando e também dois Unimoves Mercedes carregados de militares. Eles descem dos pardos camiões e todos alinhados e equipados, luvas, máscaras, umas mochilas de esguichos e pás, e sobem a marchar para a casa ao lado da do Phil, a casa da Quinta da Chaminé cor de salmão que também se há de salvar.
Debaixo da pluma de fumo
Ontem à tarde, o JN percorreu três das estradas cortadas à volta de Monchique, a pequena vila algarvia martirizada por uma, duas, agora cinco frentes de fogo que se multiplicam desde 3 de agosto, estonteadas, por ventos que aqui andam sempre a ziguezaguear. São a EN 266, a EN 267 e a EN 124, a estrada do milagre do Phil.
Na primeira, que liga Portimão a Monchique, e que estava cheia de árvores caídas, ali na zona do Rasmalho e da Ribeira da Torrinha, logo acima da Vila Termal, que ainda anda cheia de fumo e é agora uma vila fantasma, ardeu esta manhã totalmente, é um escombro, o restaurante Rouxinol. Foi num reacendimento do fogo apagado na noite anterior - mas ninguém, nem donos nem bombeiros, ficou para trás para vigiar.
Na EN 267, que vai da Nave aos Casais, também ninguém passava, o povo espalhado aos grupos, alguns de máscaras, uns em tronco nu, todos a confabular, a terra fumava desde a manhã, encarvoada, decorada nas bermas e nos vales por árvores mortas de pé. Entre o fumo baixo e o céu torrado passavam, carregados de água salgada colhida na praia da Rocha, Portimão, os grandes Canadair a zunir. E na EN 124 o fumo era uma companhia constante - todo o Algarve estará debaixo dessa pluma letal - e ainda maior pois já chegou a Silves, onde se tossia de olhos acerejados à beira de marejar. O fogo está longe de terminar.
A vila fantasma onde só ficaram 4 habitantes
Evacuada desde domingo sem que ninguém possa voltar, a Vila Termal das Caldas de Monchique, um esplêndido resort e SPA que domina a térmica povoação, deveria ter agora, é agosto, o calor chegou e ficou, cerca de mil habitantes. A maioria estrangeiros, a que se somam afortunados cidadãos locais. Mas por estes dias, as belas termas, com as suas ruas de sombras derramadas por grandes acácias, ciprestes e bons sobreiros, são um povoado fantasma de onde toda a gente abalou. Ficaram quatro habitantes, o JN contou, mais os bombeiros de ocasião.
Os dois primeiros que vemos são António Monteiro, gerente da Vila Termal, e Nuno Inês, que se debruçavam, num varandim com vista para a piscina do hotel, e que ficaram para trás para vigiar. Eles contam: o hotel estava cheio, todos os hóspedes tiveram de repente de sair, não sabem se e quando podem ou querem voltar. Não fizeram contas, mas o prejuízo será da ordem de muitos milhares.
Os outros são José Rosa, da charmosa Albergaria Lageado, e a mulher, Célia, médica pediatra que anda ali de mangueira, afogueada, a apagar reacendimentos. "É uma tragédia e estava anunciada", diz José, suado na camisa de linho, "o fogo foi mal atacado de início, e agora é o que se vê, incompetência total". Não se atreve a somar: "Tínhamos 24 quartos lotados, saíram todos, o verão está estragado, não os vamos recuperar".