As brasas já se apagaram, a música dos bailaricos improvisados silenciou-se e a multidão desmobilizou, dando por concluída a celebração de mais um São João, no Porto.
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Fontainhas, Ribeira, Sé e outros locais estratégicos do Centro Histórico encheram-se para a "festa mais tradicional da cidade", que já não é propriedade exclusiva dos portuenses, juntando portugueses de Norte a Sul. Mas não é só em português que se celebra este santo popular, até porque foram muitos os estrangeiros que se uniram à tradição e se mesclaram no espírito são-joanino.
Partindo das Fontainhas, era notório o empenho dos foliões na operação São João. A carne a marinar, as grelhas a postos e as bebidas munidas de recipientes improvisados com gelo para se manterem frescas enquanto fosse possível.
Os grupos eram grandes e iam acolhendo transeuntes conhecidos, que se instalavam na procura de abrigo para começar a assar e a festejar.
No entanto, a logística não é nada fácil, Afonso Ayres que o diga. Natural do Porto, esteve em Espanha nos últimos anos e aventurou-se na organização de um S. João tradicional para matar saudades.
"Somos cerca de 50 pessoas, entre amigos antigos e novos que nunca cá estiveram nesta data e fiz questão de lhes mostrar o quão única é esta festa. Não foi fácil, mas valeu a pena", admitiu, ao JN, justificando a escolha pelas Fontainhas por ser "o sítio onde tudo começou".
Percorrendo as ruas apertadas em direção à Sé, era inevitável o contágio do espírito de festa ao virar de cada esquina, bem como as tradicionais marteladas que não olhavam idade, nacionalidade ou altura.
E nessa mesma rota, passando as escadas dos Guindais, deparámo-nos com um momento que poderia ser capa de uma qualquer reportagem são-joanina.
Nair Nora, de 76 anos, é a matriarca de uma família que se junta em sua casa e celebra este santo popular em plena rua, perante as milhares de pessoas que por lá passam. Porta aberta, uma mesa em frente e familiares unidos à volta da comida e de uma boa conversa.
"Aqui não há partidos, não há classes sociais, sente-se a alegria do povo", diz, sendo logo corroborada pelo filho, Alberto Alves. "É uma demonstração de como devia ser a sociedade. Já aconteceu termos estrangeiros que passaram e ficaram a conviver connosco e no ano seguinte voltaram a Portugal porque se sentiram bem acolhidos", conta, enquanto dispõe as sardinhas no grelhador de forma meticulosa.
"Diferente e mágico"
À medida que a noite caía e íamos descendo até ao rio Douro, o ambiente ia ficando gradualmente mais festivo. O som das colunas estava mais alto e as pessoas preparavam-se para um dos momentos da noite.
O horário indicado para o lançamento dos tradicionais balões de São João era às 21.45 horas, mas os céus iam-se iluminando bem antes disso. Ainda assim, é indiscutível a beleza deste gesto, carregado de simbolismo, que é uma das imagens de marca da noitada e que proporcionou milhares de fotografias e vídeos para mais tarde recordar.
O tempo foi passando até chegar a estrela da noite: o fogo de artifício. Posicionada num melhores sítios para observar o espetáculo pirotécnico, ao qual chegou horas antes, Marinele Magalhães montou o estaminé na Ribeira para estar na fila da frente do acontecimento principal.
"Já fomos a Vila do Conde, já tínhamos estado aqui no Porto, mas na Sé. Este cenário, da Ribeira, é completamente diferente. É mágico", atesta a cidadã luso-venezuelana, que reside em Portugal e celebra o S. João portuense há 22 anos.
Findo o espetáculo, foi a vez dos bailaricos assumirem o protagonismo em todos os pontos estratégicos do Centro Histórico. Francisca Pereira, Eduardo Costa e Edgar Cordeiro lideraram o seu extenso grupo de amigos até Miragaia, para continuarem a festa até de manhã.
"Já é tradição. Viemos cá a primeira vez há uns anos e correu bem. Quantas mais vezes vimos, melhor é", lançou Eduardo, antes de ver a ideia concluída por Francisca: "Não há comparação, o São João no Porto é uma coisa única".