<p>Incrédulo ainda com o que lhe aconteceu, o sobrevivente do naufrágio de anteontem,segunda-feira, na Costa da Caparica, em Almada, quer acima de tudo que o companheiro que está desaparecido seja encontrado. Depois do medo que sentiu, ainda tem fé.</p>
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"O que eu mais queria era encontrar o corpo do Fernando. É a minha única esperança e há-de aparecer", confessa Pedro Nunes, de 25 anos, emocionado com as recordações que lhe vêm à memória.
"A única coisa que me lembro é do barco dar a volta e a gente ficar debaixo a tentar sair. Foi uma grande aflição", contou ao JN, frisando que o mar não estava muito agitado no percurso que fizeram de Lisboa até ao local do acidente.
"Foi tudo uma questão de segundos. Uma onda apenas chegou para virar o barco ao contrário", nota o pescador setubalense, lamentando que o mestre do barco, José Manuel Gil, de 62 anos, não tenha sobrevivido.
"O Gil esteve sempre comigo. Fomos os únicos que ficámos juntos. O Primo (como era conhecido) sempre falou comigo, não se mexia mas estava consciente. Deve ter falecido 10 minutos antes do helicóptero chegar", relata, frisando que quando chegou à superfície o mestre da embarcação, cujo corpo foi recolhido anteontem, já estava ao de cima de água agarrado a uma tábua.
"Estava cheio de medo"
"Ainda fui buscar um colete, uma bóia e uma porta. Não o larguei. Até porque cheio de medo estava eu de ficar ali sozinho", conta, confessando ter temido que ninguém os visse durante a cerca de uma hora e quinze minutos que aguentou dentro de água. "Ainda não consigo explicar como consegui ter tanta calma", afirma.
Pai de uma menina de 5 anos e um rapaz de 11, Pedro Nunes não se vê como herói e atribui as culpas ao destino. "Já tinha de acontecer", considera, realçando que em sete anos de profissão ainda não tinha passado por uma situação semelhante.
"Nunca me tinha acontecido nada disto, nem nada parecido", diz, acrescentando que os homens da pesca não costumam imaginar o pior. "Não posso ir para o mar a pensar que pode acontecer alguma coisa", diz, negando que os três tripulantes tenham errado nos cálculos.
Com uma filha de 10 anos para criar, Fernando Espírito Santo, de 42 anos, que continua desaparecido, era o mais antigo na embarcação, totalizando uma década de pesca no "Delfim". Já o mestre José Manuel Gil, que tinha a seu cargo um neto de três anos, e Pedro Nunes andavam na "ganchorra" - pesca por encomenda - naquele barco, que contabilizava 40 anos de mar, há apenas um mês.
A decisão de ir buscar o barco a Lisboa para trabalhar em Setúbal ficou a dever-se ao facto de junto ao rio as previsões apontarem mau tempo durante as próximas semanas, o que impede a pesca de bivalves, que vive das escassas encomendas desta época do ano.
Os três tripulantes estavam segurados e por isso as famílias vão receber tudo a que têm direito. "A Mútua dos Pescadores garante o pagamento das indemnizações mesmo à família do tripulante que ainda não apareceu", assegurou Carlos Pratas, da Associação Bivalmar, que representa as 21 embarcações que pescam bivalves entre Pedrógão e o cabo de São Vicente.