A exposição "Insubmissos", patente no Instituto de Ciências Biomédicas Abel Salazar (ICBAS) da Universidade do Porto, até dia 11 de outubro, alia a arte à medicina para sensibilizar a sociedade para a saúde mental. É a terceira vez que os trabalhos desenvolvidos por utentes do Hospital Magalhães Lemos são expostos.
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Quem entrar no piso 4 do ICBAS, até dia 11 de outubro, vai encontrar as obras de arte bruta realizadas pelos utentes do Serviço de Reabilitação Psicossocial do Hospital Magalhães Lemos, no Porto. Os trabalhos, que vão desde mãos e pés feitos em cerâmica a máscaras e quadros, foram apresentados, ao fim da tarde desta segunda-feira, ao som do coro composto por utentes do mesmo serviço.
As obras já viajaram pela galeria Geraldes da Silva, no Porto, e pela Junta de Freguesia de Espinho.
Tudo isto só foi possível graças à persistência de Claúdia Reis e Sérgio Rodrigues, que ficaram a saber da existência do Serviço de Reabilitação Psicossocial do Hospital Magalhães Lemos e das "peças que eram feitas" depois da conversa com "uma pessoa da área da saúde mental sobre uma reportagem televisiva acerca do projeto manicómio organizado por Sandro Resende, em Lisboa", explica Claúdia Reis ao JN.
Nesse momento decidiram pôr pés ao caminho e tentar obter "o apoio de um curador que tivesse alguma visibilidade para empurrar a ideia para a frente", uma vez que não estavam inseridos no meio artístico. Nesse sentido, comecaram a bater à porta de vários nomes da literatura e conseguiram a ajuda de Richard Zimler, "que aceitou logo" dar o seu contributo, detalha Cláudia Reis.
Sérgio Vilela /ICBAS
Os objetivos passam por demonstrar à sociedade que uma pessoa diagnosticada com uma doença mental "não se encerra num diagnóstico e, ao mostrar os trabalhos que estas pessoas fazem, promover a integração social, complementa Sérgio Rodrigues.
"Às vezes, podemos não acreditar, mas isto é a prova de que as coisas podem acontecer ", vinca Claúdia Reis.
Um dos desejos do casal é que "a cidade do Porto e quem tem o poder criassem um museu de arte bruta fora do hospital", isto porque "não há ninguém que vá ao hospital ver as exposições" e para combater o estigma é preciso "tira-las de lá". Além disso, os promotores da iniciativa já se depararam várias vezes com o fecho de exposições em hospitais às 16.30 horas.
A ideia de contactar o ICBAS deveu-se ao passado de Claúdia Reis. Enquanto educadora de infância, viu vários alunos enveredarem pela Medicina, e considerou ser importante contagiar esses novos profissionais para uma maior sensibiliade para com os doentes mentais. "É importante que tenham a perceção que a saúde mental não é só específica de um grupo, todos têm de cuidar da saúde mental, o coletivo e o individual", defende.
Apesar do processo díficil para divulgar o que é feito por este serviço de reabilitação, o mais importante é "ver a reação dos utentes ao perceberem que, efetivamente, eles contam para a sociedade, não são um diagnóstico".
Sérgio Vilela /ICBAS
Intervir para prevenir a doença
Em declarações ao JN, o diretor do ICBAS, Henrique Cyrne de Carvalho, refere que a expectativa para esta iniciativa "é grande", uma vez que a proposta da instituição "transcende aquilo que é apenas o conhecimento técnico e científico", apostando na arte, no humanismo e na cidadania.
No que toca à saúde mental, o responsável ressalva que o apoio à saúde mental "tem sido uma aposta a priori, porque se identificou que no grupo de estudantes acolhidos estão estudantes deslocados que passam do ninho protegido para enfrentar a realidade sozinhos".
O responsável revela que o ICBAS possui uma "estrutura independente dos Serviços de Ação Social da Universidade do Porto" inserida no Gabinete de Apoio ao Aluno que conta com "duas psicólogas clínicas e há consultas de psquiatria de 15 em 15 dias com psiquiatras do Hospital de Santo António". A procura já levou à contratação de mais uma psiquiatra para conseguir fazer face ao número de pedidos de consulta.
A referenciação para as consultas de psiquiatria é feita pelas psicólogas clínicas, mas os estudantes podem também pedir o acesso às mesmas e, a partir deste mês, o gabinete conta com a presença de um médico de clínica geral.
O objetivo desta estrutura é evitar tempos de espera elevados porque "muitas das patologias da doença mental precisam de intervenção" urgente.
Para Henrique Cyrne de Carvalho é importante que exposições como a "Insubmissos" sejam abertas à sociedade civil porque permite que a "população e toda a comunidade académica possa intervir de forma a evitar que a doença surja", para que haja "menos solicitação da consulta de psicologia e psiquiatria".
Telmo Silva, estudante do mestrado integrado em Medicina a realizar um estágio clínico no Serviço de Reabilitação Psicossocial do Hospital de Magalhães Lemos, refere ao JN que esta é "uma exposição que tenta refletir o trabalho que tem vindo a ser desenvolvido" pelo serviço onde está a estagiar e "tenta reduzir o estigma da doença mental e daquilo que são as alterações da normal saúde mental, se é que se pode definir o que é o normal em saúde mental", ressalva.
O aluno considera que a instituição onde estuda "tem promovido atividades que prezam pela saúde mental quer dos seus profissionais quer dos seus estudantes" e nota uma melhoria do "gabinete de apoio ao estudante que faculta consultas psicologia e de psicologia".