Deposição de areias a sul da Costa Nova afetaram a pesca tradicional no concelho. Câmara deu apoio extra de cinco mil euros às companhas da praia da Vagueira e Areão.
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"Se faturarmos 40 mil euros dá para as despesas, mas este ano não fiz sequer 10 mil". De boina na cabeça e cigarro na boca, no seu armazém de madeira junto ao mar da praia do Areão, João Esteves assume que é o "amor à camisola" que o mantém agarrado às redes da arte xávega. Sobrevive do carapau e é líder de uma das únicas duas companhas que resistem em Vagos. Num ano negro, o Município atribuiu um apoio extraordinário de 5000 euros a cada uma.
Não foi só a pandemia que roubou rendimento a quem ainda faz pesca de arrasto, mas a deposição de areias para o reforço do cordão litoral a sul da Costa Nova. "Quando começaram a pôr a lama, que veio das dragagens da ria, o mar nunca mais deu nada, estava carregado de moliço e o cheiro espanta o peixe", atira João Esteves, mais conhecido por Valdemar, nome que herdou do pai. Este ano, foi poucas vezes à lota vender o peixe. A verba extra vem juntar-se ao apoio financeiro anual que o Município já dá, também no valor de 5000 euros. Ao todo, cada companha recebeu 10 mil este ano. Não é suficiente, mas ajuda. "E muito, já dá para atamancar. Se não fosse a Câmara, já tinha parado", diz Valdemar.
Na verdade, aos 71 anos, sabe que não quer largar o "vício terrível" de ir para o mar. E o dinheiro já tem destino: é para investir nos tratores que puxam as embarcações para a praia. Tem três. "Será sobretudo para peças", explica, enquanto mostra como faz redes à mão.
Como ele, também Carlos Alberto, líder da companha que está na praia da Vagueira, levou um rombo. Tem 12 pessoas a trabalhar com ele, quase tudo família que depende do que o mar dá. Se não apanharem peixe, ninguém ganha. "As dragagens é que nos afetaram. Também vou gastar em tratores, tenho quatro e a água salgada estraga tudo", afirma.
Tem 53 anos, é pescador de arte xávega desde que se lembra de ser gente. Com a máscara a esconder o bigode, Carlos Alberto agradece o apoio da Câmara: "O presidente viu a carrada de moliço que trouxemos do mar".
O regresso dos bois
Segundo Silvério Regalado, autarca de Vagos, "a arte xávega é uma prioridade". "Já só temos duas companhas e queremos mantê-las em funcionamento para salvaguardar este património cultural", assume ao JN.
Por isso, o Município vai também recuperar a tradição de ter juntas de bois a puxar os barcos, como acontecia antes de serem substituídos por tratores, para atrair turismo. Os pescadores concordam, mas têm reservas (ver caixa). E vai estender o apoio anual até 2024. Talvez noutros "carnavais", Valdemar consiga comprar um novo motor para o barco, que deverá custar-lhe "uns 12 mil euros". Uma coisa é certa: "O bichinho de ir ao mar não me deixa largar isto".
ANIMAIS
Parceria com escola e dúvidas dos pescadores
A Câmara de Vagos está a estudar a possibilidade de adquirir uma ou duas juntas de bois junto de criadores da raça marinhoa e formalizar uma parceria com a Escola de Agricultura de Vagos para o uso das suas instalações como guarida para os animais, colocando-os como cartaz turístico ao serviço da xávega em 2021 ou 2022. Apesar de achar "boa ideia", João Esteves, líder de uma das duas companhas, alerta para a necessidade de serem esclarecidas questões, como os dias para cada companha. Menos otimista está Carlos Alberto porque considera que "os animais não têm hoje força para puxar as redes", obrigando os pescadores a recorrer, em simultâneo, aos tratores.