Vazias durante o ano, ruas do Porto ganham “vida” no São João
Entre quem vive no Porto, o São João faz-se na rua, com as mesas de jantar à porta, ou à varanda para assitir aos bailaricos. Certo é que a festa "enche de vida" artérias onde, com a saída de moradores, a tradição começou a perder-se, mas há quem lute para tentar mantê-la.
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Com a festa a passar-lhe à porta, Álvaro Nascimento atira: "São João? Não gosto". Solta uma gargalhada enquanto observa da varanda de casa a multidão que desce a rua com o nome do santo popular, e rápido explica: "Vou varrer as ruas da cidade do Porto amanhã de manhã [ontem]". Vive naquela casa desde os oito anos, altura em que a família "assaltou" o apartamento no 25 de abril de 1974 e, apesar do barulho, é lá que quer continuar a morar. "Gosto disto. É a minha zona, a Ribeirinha. Custa-me porque não vou conseguir dormir. Espero estar de folga para o ano", sorri de novo o portuense de 58 anos. Se assim for, será mais um a juntar-se à festa.
Milhares de pessoas já guardam lugar na Ribeira para assistir, à meia-noite, ao fogo de artifício (que mereceu longos assobios de desilusão vindos da multidão, mas já lá vamos). Ao mesmo tempo, os bailaricos já tomam conta das ruas da Vitória. Há mesas repletas de famílias, amigos ou vizinhos e ninguém ousa não bater o pé ao som de Quim Barreiros: "Qual é o melhor dia para casar, sem sofrer nenhum desgosto?".
A tentar manter a tradição
Na estreita Rua da Vitória vive-se uma espécie de anarquia disfarçada. Todos sabem o seu lugar. Com uma fila "armada" de martelos de um lado e de outro, ninguém passa sem uma martelada. Mas o lugar mais importante está bem definido: é o do grelhador. Há sempre sardinha a sair. Até para oferecer a turistas.
É precisamente isso que Marcos Carvalho, 31 anos, tenta manter na Rua do Dr. Barbosa de Castro, paralela ao Passeio das Virtudes. Vive há sete anos em frente à Escola Artística e Profissional Árvore e, desde então, começou a assistir à saída gradual de moradores mais antigos. A rua "começou a perder muito do que a fazia especial", diz. Tudo começou com uma pequena cascata. De ano para ano, a comunidade cresceu e agora, todas as noites de São João, aquela artéria "enche-se de vida". "Estamos a tentar manter a tradição para que esta noite não se perca", reconhece o organizador da iniciativa e também DJ amador, admitindo ter mais vizinhos internacionais.
Aproxima-se a meia-noite e as famílias posicionam-se nas varandas da frente de rio para assistir ao fogo. Vítor Alves, 58 anos é um dos privilegiados. À sua esquerda, tem a Ponte de Luís I e, mesmo em frente, o Douro.
"A casa é da minha companheira. Venho cá e usufruo desta vista", reconhece, sem enfrentar o mesmo constrangimento de Álvaro. "Isto é para ser a noite toda. E como amanhã é feriado, não há problema", reconhece. Admite que "o São João da varanda é bom", mas para quem é mais novo, a noite passa-se "na rua, com o martelo, a beber umas cervejas aqui, a tropeçar ali, a levar com alhos-porros e a ouvir música popular portuguesa".
As luzes da Ponte de Luís I apagam-se. O espetáculo vai começar. Mas, para desilusão de muitos que ali estavam há horas a guardar lugar, as marés arrastaram o fogo para junto do edifício da Alfândega, oferecendo um melhor espetáculo a quem estava na Casa do Roseiral, nos Jardins do Palácio do Cristal (lá, jantaram o presidente da Câmara do Porto Rui Moreira, o presidente da República Marcelo Rebelo de Sousa, o primeiro-ministro Luís Montenegro e o presidente da Assembleia da República José Pedro Aguiar-Branco, entre outras personalidades). As palmas substituíram-se por assobios e o ponto alto de quem esteve na Ribeira foi mesmo a subida dos balões aos céus.
Pode rever o espetáculo aqui.
