Há sinais de normalidade mas a incerteza da crise sismovulcânica não mata mas mói. Autarca açoriano teme impacto social e económico.
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Remy Benidir, proprietário do restaurante Velense, regressou esta quarta-feira a Velas, o município da ilha de São Jorge onde o risco da crise sismovulcânica é maior. Após os abalos que começaram a 19 de março e levaram a lançar o nível de alerta V4, foi para a ilha do Pico e fechou o estabelecimento cinco dias. Depois, sucumbiu aos apelos dos seis funcionários que ficaram em São Jorge e têm "contas para pagar" e permitiu que estes reabrissem.
"Estamos todos apavorados. Não sabemos se a situação vai durar mais uma semana, um mês, um ano... É uma incerteza, mas temos que viver com ela e ver o que vai acontecer", desabafa Remy, explicando que regressou pelo negócio e trouxe com ele os filhos, de quatro, sete e 13 anos.
No restaurante só estão a ser servidos almoços, até porque "à noite não se vê uma alma" na rua. Mas até nos almoços o movimento "desceu pelo menos 50%". E as reservas que tinha em março e abril "foram canceladas". "É um tombo muito grande".
De acordo como presidente da Câmara de Velas, Luís Silveira, não há registo de empresas terem ido à falência, mas as preocupações com o impacto económico e social da crise são grandes, havendo já uma articulação com o Governo dos Açores, para "eventuais pacotes de apoio". O autarca diz estar preocupado particularmente com o turismo, que pode diminuir e "mexe com todos os outros setores".
Luís Silveira assegura que, "tendo por base informações do CIVISA, há condições para estar em São Jorge". E adianta que, de forma preventiva, os serviços de proteção civil têm sido reforçados, havendo uma centena de pessoas, "desde militares, médicos, psicólogos", entre outros profissionais, a cuidar do eventual socorro à população.
No início da crise, o receio levou a melhor e, após os primeiros abalos, pelas contas do edil, "saíram da ilha cerca de 1200 pessoas", a que se somam mais "800 a 1000" para o concelho vizinho da Calheta.
Atualmente nota-se "alguma retoma" e há pessoas a "regressarem ao concelho", diz, sem conseguir quantificar. "Há quem venha trabalhar para o concelho [de Velas] com normalidade, mas no final do dia vai passar a noite no concelho vizinho da Calheta; há quem já tenha regressado em definitivo" a Velas, aponta.
"As pessoas não conseguem estar fora das suas casas durante meses, sem a sua vida, as suas rotinas" e, ainda que não percam o medo, "estão a gerir a angústia e incerteza", acrescenta Luís Silveira. "Não sabemos qual o espaço temporal da crise, podemos estar a falar de meses consecutivos, pelo que a situação é gerida com essa ansiedade e incerteza", reforça.
Luís Silveira, acredita, até pela própria experiência pessoal, que as pessoas têm vontade de voltar. Quando os abalos começaram, os seus pais, idosos, saíram de São Jorge para outra ilha. "Pedem-me quase todos os dias para regressar", revelou, recusando a ideia de haver "contradição" entre o que pede à população e a sua situação pessoal. Segundo explica, prefere estar "liberto" de "preocupações", pelas funções que desempenha, como responsável pela proteção civil.
Ensaios da filarmónica e missas recomeçaram
Na freguesia da Urzelina, Velas, de 900 habitantes, "ficaram 300" após os primeiros abalos. Na última semana, "mais de 200 já regressaram. Devemos estar com cerca de 500 a 600 pessoas", conta o presidente da junta, André Silveira.
Há sinais de retoma. A escola primária, que "tinha 30 crianças, neste momento está com seis. Dois restaurantes fecharam, mas um abre hoje [ontem] as portas". Os ensaios da filarmónica "recomeçaram, embora com menos de metade dos músicos". As missas foram retomadas no passado fim de semana e "já tiveram algumas pessoas, embora menos que o normal". Quanto aos utentes idosos do Instituto de Santa Catarina, que foram deslocados para a Calheta, "não há previsões para voltarem. Será das últimas peças da normalidade".
Nas escolas, esta sexta-feira é o último dia de aulas antes das férias da Páscoa e espera-se que, dia 19, quando recomeçarem, haja alunos a encher as salas. Dia 24 de março a componente letiva foi suspensa e, de um universo de 480 alunos, ficaram uns "12 a 13" descreveu Vítor Bernardes, diretor da escola básica e secundária de Velas. Ficaram testes por fazer, mas a "avaliação é contínua" e será assegurada. Esta semana o movimento aumentou e pelas portas entraram duas dezenas e meia de alunos.
Registos
Atividade sísmica "continua acima do normal"
O Centro de Informação e Vigilância Sismovulcânica dos Açores (CIVISA) registou mais quatro sismos na ilha de São Jorge, entre as 22 horas de quarta-feira e as 10 horas de quinta-feira, informou aquele organismo em comunicado. Os abalos tiveram magnitudes que variaram entre 1,9 e 2,4 na escala de Richter (num total de nove), tendo sido sentidos com intensidade entre os II e IV na escala de Mercalli Modificada.
Segundo o CIVISA a atividade sísmica "continua acima do normal". Desde o início da crise sísmica, a 19 de março, foram identificados cerca de 233 sismos sentidos pela população. O sismo de maior magnitude (3,8 na escala de Richter) ocorreu no dia 29 de março, às 21:56.
A ilha mantém o nível de alerta vulcânico V4 (ameaça de erupção) de um total de sete, em que V0 significa "estado de repouso" e V6 "erupção em curso".