
As criações de Lúcia Maria
Telmo Pinto / Global Imagens
A noite era de insónia. "O que é que eu faço?", perguntava-se Lúcia Maria, entregue aos desassossegados pensamentos de quem sobreviveu ao cancro. O relógio apontava as quatro da manhã. Deixou a cama e foi percorrer os canais da televisão. Num deles ensinava-se a fazer pasta de papel. "Criou-se um vício".
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Dez anos depois, inaugurou a sua primeira exposição de esculturas em papel maché, que está na Clínica Médica da Foz, no Porto, até dia 22. O dinheiro angariado será doado às paróquias de Valença do padre Ricardo Esteves.
Em 2002, uma pinta preta na orelha evoluiu para um "melanoma gravíssimo, já com metástases". "Pensei que ia morrer. Nunca mais fui a mesma pessoa", assegura Lúcia, que teve de cortar parte da orelha, entretanto já reconstruída. Seguiu-se a reforma antecipada da gestora financeira, conhecida pelos colegas como o "furacão do negócio", e a sugestão médica para mudar-se para um sítio mais calmo do que o Porto, onde sempre viveu. Mora em Caminha há quatro anos.
Entre a abertura do próprio negócio, do qual teve de desistir por causa da crise de 2010 e a saída dos filhos de casa para trabalhar, Lúcia viu-se novamente desassossegada. "E em 2017 tive cancro da mama". O dia do diagnóstico foi o mesmo em que fez a única escultura sem peito, mas nem a arte foi refúgio suficiente. "Fiquei zangada com a vida e com Deus". Ainda nesse ano, em Espanha, foi operada.
E o infortúnio transformou-se em solidariedade. As esculturas inicialmente do tamanho de bonecas, cresceram e estão à venda entre os 100 e os 2500 euros. A próxima mostra, promete a artista, será a favor da Associação de Apoio à Vítima. Todas as esculturas são figuras femininas para "homenagear todas as mulheres" que, tal como Lúcia, também sofrem nas mais variadas circunstâncias.
