Bernardino Santa Marta, 64 anos, neto e filho de apicultores da freguesia de Vile, em Caminha, seguiu-lhes as pisadas com a mesma paixão pela criação de abelhas, mas tendo de enfrentar uma praga que nenhum dos seus antepassados conheceu: a vespa velutina (vulgarmente conhecida por vespa-asiática).
Corpo do artigo
O inseto chegou a Portugal em 2011, tudo indica que entrando pela região do Alto Minho, oriunda da Galiza, e passou a ser, até hoje, o terror das abelhas e de quem se dedica à apicultura. Na zona onde os Santa Marta sempre desenvolveram a sua atividade, a vespa tem transformado apiários em "cemitérios" e, em alguns casos, até colonizado colmeias.
Na região, segundo a Associação dos Apicultores de Entre-Minho e Lima (APIMIL), "pelo menos metade da produção apícola perdeu-se este ano". E a Federação Nacional dos Apicultores de Portugal (FNAP) dá conta de perdas relacionadas com a praga que se situam "entre 1000 e 1500 toneladas".
Há apicultores a desistir
Bernardino não é um dos que desistem. Há dois anos inventou, juntamente com um outro colega, uma geringonça que além de funcionar como armadilha, também impede a entrada do inseto predador e possui uma espécie de rampa de lançamento onde as abelhas ganham velocidade e saem disparadas a voar sem serem caçadas pelo inimigo, que as espera à porta. Mesmo assim, este ano, "perdeu 20 em 100 colmeias".
"As vespas põem-se em frente à colmeia e inibem as abelhas de trabalhar. Eu e o meu colega começamos a ver um sistema para as impedir de inibir o trabalho", explica o apicultor, mostrando uma espécie de gaiola feita de madeira, com várias entradas e saídas vedadas com rede, invenção a que chamam "o focinho da colmeia".
Este é apenas um dos métodos que os apicultores utilizam para combater a invasora. Proliferam na região armadilhas feitas com garrafas e garrafões de plástico, cortados, contendo "água, açúcar e fermento de padeiro" para a atrair.
Por outro lado, procuram continuamente sistemas de eliminação de ninhos de vespa velutina que surgem em florestas, nas copas das árvores, casas e até enterrados. "Este ano aqui na nossa zona, com a colaboração dos Bombeiros de Vila Praia de Âncora, eliminamos 180 ninhos", diz Bernardino, descrevendo que o método passa por injetar bioinseticida no habitáculo, com recurso a uma vara longa.
Da mesma região, Márcio Novo do Conselho de Baldios de Riba de Âncora, contou ao JN, que aquela organização abandonou a tradição de ter colmeias por causa da vespa asiática. "Em 2016 tínhamos 60 colónias e tivemos de as deslocar por causa de um incêndio. Na altura, o ataque foi de tal maneira que abríamos as colmeias e em vez de abelhas, havia vespas", relatou, referindo que os baldios chegaram a produzir "400 quilos de mel", mas após verem o apiário arrasado "nunca mais voltaram a ter colmeias". Ainda naquela zona, é exemplo dos estragos que a invasora pode causar, o "apiário fantasma" (ver foto), de Carlos Costa, de Âncora. "Perdi mais de 50 % do efetivo", afirmou o apicultor.
Dez anos de luta
"Os apicultores têm perdido constantemente colmeias, os custos têm aumentado porque as abelhas como não saem para comer somos nós que temos de as alimentar. E as perdas têm sido muito significativas", afirma o presidente da APIMIL, Alberto Dias, referindo que, a continuar assim, "o pequeno produtor vai desaparecer, o médio vai baixar consideravelmente [a produção] e o grande vai ver aumentar os prejuízos, porque é preciso manter as colmeias e esses custos não estão imputados a lado nenhum. Tem de ser o apicultor a aguentá-los".
Mais apoios e intervenção nesta área é o que defende a APIMIL, para conter a praga. "Precisamos de outro tipo de combate no campo. Da parte de quem coordena e manda, é preciso outro tipo de visão, porque isto é um problema de todos. Não é só da apicultura, é também um problema de fruticultura e de saúde pública", frisa, defendendo que "os fundos comunitários constituem uma oportunidade" para investir no futuro da apicultura em Portugal. "A vespa está totalmente instalada. Em todo o litoral, desde esta zona até Lisboa", conclui.
Pormenores
Cavalo de Troia - Um dos métodos "inventados" pelos apicultores do Alto Minho passa por capturar, pincelar e soltar uma vespa-asiática com um substância mortífera, que esta ao voltar ao ninho acaba por o dizimar. Chama-lhe "cavalo de Troia".
Beja e Faro são exceção - A presença e impacto da vespa-asiática é generalizada no país. Menor nas regiões interiores do país (Bragança, Guarda, Castelo Branco). Atualmente, apenas os distritos de Beja e de Faro não estão invadidos.
Alterações climáticas - Aliando outros fatores, como as alterações climáticas, segundo a Federação Nacional de Apicultores de Portugal, "a diminuição da produção nacional de mel entre 2019 e 2020 caiu 25%, sendo que entre 2018 e 2019, esta perda tinha sido de 76%".
11087 apicultores - Segundo dados da Direção-Geral de Alimentação e Veterinária em setembro de 2021, foram registados 11 087 apicultores e 719 718 colónias de abelhas.
11690 explorações - Em 2020, existiam 11 690 explorações apícolas com 753 770 colónias. Significa que comparativamente com este ano se registou uma perda de cerca de 5%