Ainda faltavam dez minutos para a hora da missa e já Rosa Freitas, de 87 anos, estava este domingo à porta da igreja da aldeia de Covas, em Vila Nova de Cerveira.
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"Antes vinha sempre e hoje é a primeira vez, mas ainda não é como era por via dessa doença que aí anda. Ainda é o padre que vem abrir a porta e a gente tem de pôr a máscara. Tinha saudades. Via na televisão mas na igreja é outra coisa", disse Rosa ao "Jornal de Notícias", à sua chegada. Vagarosa e de máscara dobrada na mão, comentou: "A gente está habituada desde pequena e para nós não era domingo".
Quando Rosa chegou, já o adro tinha gente. À sombra da igreja e das oliveiras ao redor, porque o sol aquecia, novos e velhos, todos esperavam, ansiosos e munidos de máscaras, o padre Carlos Castro. O pároco chegou um pouco atrasado, entrou por uma das portas laterais, paramentou-se e quando abriu a porta principal, os paroquianos aplaudiram com entusiasmo. "Toda a gente tem máscara? Ok. Está aqui a equipa de acolhimento, a Carmen e o Eduardo, e todos os que entrarem têm de ter máscara e desinfetar as mãos. Se não o fizerem não podem entrar", disse o sacerdote, passando a explicar os rigorosos procedimentos.
Álcool gel "a substituir" a água benta, máscara durante toda a missa, apenas afastada por momentos para receber a comunhão, após desinfeção das mãos, com o auxílio de uma assistente. Lugares "separados com um metro e meio de distância", assinalados com fitas, e entrada e saída ordeiras. "Não podeis estar 'todos aos molho e fé em Deus'. Os primeiros a entrar são os últimos a sair. É como no reino dos céus", comentou, avisando: "Isto só vai custar hoje, depois ides ver que vos habituais. Estamos a viver um tempo diferente, de pandemia, em que nos devemos preocupar connosco e com os outros".
À margem da celebração, o padre Carlos Castro, Arcipreste de Vila Nova de Cerveira, e pároco de Covas, Candemil, Gondar e Mentrestido, declarou: "Este primeiro fim de semana em que estamos a celebrar, estamos entre o oito e o oitenta. Podia chegar aqui e ter o adro cheio de gente, mas reparei que ainda há muita reticência. Se não houvesse esta pandemia tinha muito mais gente. Ainda há aquele receio de como está organizado e como não está". "O que digo é que é seguro vir. A igreja está desinfetada, há distanciamento e as pessoas têm é que se habituar", disse ainda.
Este domingo, a igreja, com cerca de 200 lugares, estava preparada para cerca de 70 e com desinfetante para as mãos, à porta, no altar e no púlpito das leituras. No adro, Sebastião e Maria Silva, vendedores ambulantes de doces tradicionais de romaria, como roscas, papudos, bolo branco e biscoitos, marcaram presença pela primeira vez. Costumam percorrer as igrejas para vender no fim das missas, mas o negócio "ainda está fraco". "Não vendemos quase nada", queixou-se Maria, que após a missa de Covas lá vendeu alguns doces, incluindo ao pároco. "Deus lhe pague que eu não tenho dinheiro", brincou o sacerdote, alegre com o regresso das missas presenciais, após mais de dois meses a celebrar sozinho.
"Todos nós cristãos sentimos a falta da casa do Pai. É uma coisa que nos enche para a semana inteira, mas a vida é assim. Temos de acatar as ordens, para nosso bem e para o bem de todos", disse Amélia Rodrigues, 56 anos, contando como supria até agora a saudade das Eucaristias. "Montes de vezes ouvia na televisão, mas não é a a mesma coisa, por isso aqui estou hoje".
Laurinda Esteves, 67 anos, comunga da mesma saudade de uma Eucaristia presencial. Sentada à sombra, junto a uma oliveira, confessou estar "contente" este domingo: "Até agora assistia na televisão. Sentia falta de vir à igreja. Quem tem devoção e a ideia de vir, sente um vazio e uma tristeza".
E Boaventura Dantas de 86 anos, habitual nas missas do padre Carlos, atirou: "Saudades? Tinha e de que maneira. Via sempre a missa às 10.30 horas na televisão, mas na igreja é outra coisa. De longe". E quando o JN perguntou se estava contente, assobiou, levantou o polegar e disse: "Porreiro!".