Uma atriz sozinha em palco e um texto duro baseado na história verídica da mulher que chegou mais alto na hierarquia da PIDE a arrancar confissões a presos políticos com tortura. Assim se pode resumir o espetáculo "Noites de Caxias", que vai assinalar os 50 anos da revolução de abril em Viana do Castelo.
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A estreia da peça do Teatro do Noroeste - Centro Dramático de Viana (CDV) está prevista para a tarde de 25 de abril às 18 horas, com repetição nos dias 26 (21 horas), 27 (19 horas) e 28 (16 horas) do mesmo mês. Preparem-se os mais sensíveis para um monólogo interpretado por Marta Bonito e que promete impactar o público com as falas da impiedosa agente Madalena Oliveira, conhecida por "Leninha", e que a atriz que a protagoniza descreve como "uma feminista fascista", que "acreditava cegamente no regime" de Salazar e pela qual sente "desprezo".
"Tenho vontade de me desinfetar cada vez que faço isto [desempenhar o papel] e ao mesmo tempo é um desafio enorme, porque uma coisa é nós fazermos os maus fictícios, outra é fazermos os maus que existiram e que estão aqui. Os fantasmas andam por aí", afirmou a intérprete Marta Bonito, esta segunda-feira, durante um ensaio para a peça "Noites de Caxias".
O espectáculo, com 75 minutos de duração, desenvolve-se em torno da interação de duas mulheres que viveram intensamente a ditadura: "Leninha", a temida e poderosa figura feminina da polícia política portuguesa, a PIDE, e Aurora Rodrigues, uma das vítimas que mais sofreu às mãos da terrível agente.
"Através dela [a Leninha] há outras perspetivas. Dos outros, dos que foram torturados e massacrados. E não nos podemos esquecer de que isso existiu e da cegueira com que isso foi feito. Para não se repetir", disse a atriz, considerando que "é horrível e incrível ao mesmo tempo" desempenhar o papel da cruel mulher que "arrancava confissões" infligindo tortura a presos políticos.
Aurora, afiliada do MRPP e presa política durante vários meses em Caxias, foi a sua principal vítima.
"Foi recordista, de um recorde sórdido. Foi a mulher que esteve mais dias e noites, 18, sob tortura do sono", afirmou Ricardo Simões, encenador da peça, descrevendo quem a torturou, Madalena Oliveira, como uma datilógrafa que "por ter um caso com um homem, que era uma alta figura da PIDE", acabou de "ter oportunidade de tomar conta das presas sob tortura de sono".
A agente "revelou a sua natureza, começando a destacar-se por exercer tortura e conseguir uma confissão", tornando-se "a única chefe de brigada" da polícia política. "Ascende na hierarquia da PIDE e é uma espécie de vedeta feminina, que bebe cerveja, fuma, gosta de futebol e que tem especial prazer de ser uma torcionária [que tortura] que fica famosa", refere Ricardo Simões.
No palco que "remete para uma cela", Marta Bonito desdobra-se "num jogo" de interpretação que envolve a mulher que tortura e a sua vítima.
O texto inspira-se no romance "As longas noites de Caxias" de Ana Cristina Silva.