Projeto comunitário retratou dia a dia do povo nos anos 50 e 60 e como ainda se mantém em freguesias rurais do concelho.
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O cacarejar do galo, o balir das ovelhas, as vacas a pastar nos campos, o cavar da terra, o cegar da erva, o trabalho do linho, o lavar a roupa no tanque comunitário, o moer do milho e o amassar e cozer o pão no forno de lenha. Homens e as mulheres de mãos calejadas e vestes rudes, relataram este domingo o seu tempo.
Um retrato da vida nas aldeias, como ela era nos anos 50 e 60, e que ainda vai sobrevivendo em terras do interior do concelho de Monção, foi ontem apresentado num espetáculo que resultou do projeto comunitário 'Trilogia dos Vales'.
A palco subiram a população em modo presencial e como interveniente num documentário projetado em grande ecrã, e músicos que tocaram ao vivo. O resultado foi emocionante para muitos dos que encheram o auditório do Cineteatro João Verde.
"Gostei muito de ver. Trouxe-me muitas recordações. O que me fez mais saudades foi o fazer o pão [broa]. Tudo o que eu aqui vi já o fiz muitas vezes, mas fazer o pão, muita vez o fiz assim e ainda o sei fazer", comentou Maria dos Anjos, 80 anos, no final do espetáculo a que assistiu acompanhada pela neta Tiffany Fernandes.
Veio de Anhões, uma das freguesias representadas no projeto promovido em parceria pelo CLDS 4G Monção e a Associação Cultural Rock"n"Cave, e que envolveu o coletivo artístico Space Ensemble. E a que pertencem também as primas Matilde Alves, 69 anos, e Maria Moreira, 73, que estiveram em palco, a primeira a regar as plantas do cenário e a segunda sentada numa mesa a jogar às cartas com outros populares.
Mais velhinha
No fim do espetáculo, Maria deixou-se ficar a comer "uma côdeazinha de pão". "Eu também cozia pão. Estava a mulherzinha acolá [no ecrã] a mexer na massa e eu a pensar: 'ai Jesus, que saudades de cozer pão'", disse, comentando: "A vida na aldeia ainda tem muitas coisas iguais, só que agora a gente é mais velhinha e mais fraquinha".
Para Matilde houve uma passagem do documentário que a orgulhou mais. "Viu aquelas vacas grandes? São minhas. Uma é a Linda e a outra a Cabana", descreveu, risonha, brincando com a prima: "Estavam todas babosas. A bem dizer sabiam que estavam a ser filmadas". Divertida, Maria, acrescentou: "Isto devia vir mais amiúde. Não era só uma vez. Foi uma tarde muita bonita".
Nuno Alves, diretor artístico do projeto, evidenciou que "a realidade apresentada no documentário é, muitas vezes, atual". "Quem quiser saber como se vivia nos anos 50 e 60 em Portugal ainda está aqui visível. Não é bom nem mau, as pessoas são felizes assim, disse, resumindo: "Quisemos mostrar o quão saudável é preservar estas coisas. A broa, inclusivamente, foi testada em palco. Trouxemos os recantos da aldeia e a realidade desta geração para o palco".
Foram 300 os idosos isolados das aldeias que estiveram envolvidos, com mais 12 pessoas da equipa: direção musical de Samuel Martins Coelho, direção de fotografia e realização vídeo de Filipe Barreiro, cenografia de Andrés Pérezena, e também a socióloga Vera Menezes e a fotógrafa Paula Jiménez.