"Olha a avó velhinha", aponta, emocionada, a pequena Ana Isabel. O objecto da atenção da menina de oito anos é uma fotografia grande, a preto e branco, de uma mulher vestida de negro, de lenço na cabeça, sentada na areia, a arranjar peixe num alguidar.
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Trata-se da imagem de Rosa Gomes, por todos conhecida por Rosinha do Ferreiro, uma das muitas pessoas que, intimamente ligadas à história de Espinho e às suas raízes no trabalho no mar, estão agora eternizadas nas paredes do recém-inaugurado Museu Municipal de Espinho, no espaço da antiga conserveira Brandão Gomes.
A fotografia de Rosinha do Ferreiro, pertença de um particular, já passou por muitos lados, incluindo pelo Centro Multimeios e até pelo casino. E a família foi surpreendida ao encontrá-la, três anos após a sua morte, nas paredes do novo museu de Espinho, junto ao bairro piscatório que a viu crescer, viver, sofrer muito com as mortes do marido e de muitos, muitos filhos. O mesmo bairro que conta algumas histórias que não estão no museu, mas que em todas as esquinas são lembradas,
Entre elas, as histórias dos três filhos sobreviventes de Rosinha do Ferreiro: a de Mário Pardal que trabalha nas praias durante o Verão e as de Noémia Remelgado e de Maria de Fátima Maganinho, que a exemplo da mãe ainda vendem peixe, uma de canastra à cabeça, a outra com uma carrinha. E as dos netos, que são muitos, e dos bisnetos, como a Ana Isabel, que adora dançar, e até dos trinetos.
"Trabalhamos muito, mas temos profissões modestas e aqui nos vamos mantendo", conta Noémia Remelgado que chegou a tentou melhor sorte na antiga conserveira antes desta fechar portas, em 1985.
"Andei lá cinco anos. Ganhava-se bem: 300 escudos por semana", recorda. Números que aliciaram muitas outras pessoas que fizeram da conserveira o palco de uma vida de trabalho e que hoje se encontram nos cafés do bairro, na mercearia ou na rua. As histórias, essas, estão tão frescas como há 24 anos.
Como as que conta Manuel Oliveira Gomes, o Ti Fozeiro, de 74 anos, que chegou a ser encarregado. "Chegávamos a trabalhar dois dias e uma noite seguidos para ter as conservas prontas para seguirem para África", lembra.
"Levávamos trabalho de escravos, isso sim", atira Rosa Folha, de 72, uma das que chegou a carregar pedra durante as obras de restauro da fábrica, antes de nela ingressar. "Primeiro trabalhei na filial de Matosinhos. Deixava o meu marido, que era bombeiro, e ia para lá com os filhos ao colo", continua.
Mas nem tudo eram penas. "Eram muito mais mulheres do que homens e nessas situações há sempre quem aproveite bem", diz Ti Fozeiro, com ar maroto. "Eu bem sei quem eles eram e ainda por aí andam alguns".